O Brasil não foi colônia*
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Por Tito Lívio Ferreira
Habituado a ouvir desde a escola primária, que o Brasil foi colônia de
Portugal de 1500 a 1822, custava-me a dizer o contrário, de tal forma a idéia
lançara raízes em meu conhecimento.
No entretanto, o primeiro a chamar a minha atenção para esse
erro dos historiadores foi o Professor Arlindo Veiga dos
Santos, catedrático de História da Civilização Brasileira, da Faculdade de
Filosofia de São Bento, quando a meu convite, em fins de 1954, no Curso de
História de São Paulo, sob o patrocínio do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo e sob minha direção, proferiu a sua aula: "Brasil,
Província del-Rei".
Depois disso, em aulas seguintes e nos jornais onde escrevo,
passei a designar os trezentos anos de vida luso-brasileira, não mais colônia,
por achar impróprio o termo, mas Província de Santa Cruz, Estado do Império de
Portugal, ou simplesmente Estado do Brasil, conforme a expressão
freqüente nos documentos que eu ia lendo e anotando.
Esse interesse mais aumentou na releitura de Capistrano de
Abreu, quando observei melhor as palavras do mestre da historiografia
brasileira, referentes ao nosso passado lusíada.
A CONTINUIDADE LUSÍADA
Tempo adiante, o mestre da heurística nacional volta ao
assunto. Escreve então sobre o monarquismo de Eduardo Prado, escritor paulista
falecido havia pouco, dizendo: "Em seu monarquismo entravam elementos
muito diversos. Humilhava-o (após a proclamação da República) a inauguração de
levantes e pronunciamentos militares vigentes na América Espanhola, de que
o Brasil se tinha mantido imune: chocava seus instintos de
artista ver abolida uma instituição (a Monarquia), a única antigüidade
americana, elo que prendia uma cadeia ininterrupta de nove séculos; indignava-o
a indiferença, a bestialização dentro do país; ofendia-o a ironia do
estrangeiro; e todos estes sentimentos confirma-o o rumo que assumiam as
coisas", (Capistrano de Abreu. "Eduardo Prado", in
"Ensaios e Estudos". 1.ª série — 341). Assim, para o autor
de "Capítulos de História Colonial" a unidade tri-secular da vida
lusíada na terra americana adentra os capítulos da História de Portugal onde a
História do Brasil se realiza e se funde no "elo que
prendia uma cadeia ininterrupta de nove séculos" iniciada em plena Idade
Média.
Ele via, batida pela claridade histórica e sociológica essa
"cadeia ininterrupta de nove séculos" formada pela Monarquia
Portuguesa unida à Monarquia Brasileira dentro do tempo, onde "a unidade
que ata os três séculos que vivemos" está presente e vive através de
oitocentos anos sem solução de continuidade.
O MESMO REGIME DE LIBERDADES COMUNAIS
Em suas aulas da Faculdade Paulista de Direito, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, o Professor José Pedro Galvão de Sousa ao
ministrar aos seus alunos o curso de Direito Nacional clarifica o assunto:
"Restringindo-se o significado de "colônia" ao cultivo
material, numa condição de inferioridade jurídica para as gentes submetidas,
condição essa institucionalizada no respectivo estatuto — podemos dizer que
o Brasil jamais foi colônia de
Portugal.
Tarefa superior de cultura, continua o mestre, — segundo a
procedência etimológica da palavra "colônia" (de colo, colere,
cultivar) — foi a realizada pelos portugueses, tarefa
missionária e civilizadora de um povo que nunca soube ser mercantilista".
(J. P. Galvão de Sousa — "Introdução à História do Direito Político
Brasileiro". 1954 — 39/40).
Nessas condições, observa o Professor Galvão de Sousa,
"estudar a legislação que vigorou no Brasil nos primeiros
séculos, é antes de mais nada estudar a legislação portuguesa".
"O que desde logo fere a atenção do historiador, ao
reconstituir a vida brasileira no seu primeiro século, é aquilo que Prescott
observou com respeito à América Espanhola: o governo da metrópole considerava o
seu domínio da América parte integrante do Reino".
Nesse caso, continua o eminente mestre, "é muito
significativo o fato de terem sido aplicadas ao Brasil as
mesmas leis de Portugal. As Ordenações do Reino aqui ficaram vigorando
mesmo depois da separação política e ainda durante a República, até a
promulgação do Código Civil [de 1916].
As cartas de doação das capitanias, os regimentos dos
governadores, as cartas régias, alvarás e outros actos emanados de El-Rei ou de
outras autoridades metropolitanas formavam não o direito
especial de colônia, mas uma complementação do direito comum a Portugal
e ao Brasil.
NÃO EXISTIA UM ESTATUTO COLONIAL QUE COLOCASSE
O BRASIL EM SITUAÇÃO DE INFERIORIDADE JURÍDICA. Além disso, as
instituições portuguesas, transplantadas nos trópicos, eram de molde a suscitar
entre nós o mesmo sistema de proteção aos direitos e o mesmo regime de
liberdades comunais, que vinham sendo praticadas no direito histórico lusitano
de além-mar". (Idem - ibidem. 37).
É luminosa a lição do mestre de Direito. Não havia,
juridicamente, distinção alguma entre os portugueses da Europa e os do Brasil,
porque ambos estavam no mesmo plano de igualdade, súditos que eram de Sua
Majestade. E o Brasil era uma Província do Império de
Portugal.
A POLÍTICA DE D. JOÃO III
Ora, o que caracteriza histórica e socialmente a obra
civilizadora de Portugal no Brasil é a miscigenação, quer
dizer, a mistura cristã de raças, continuadas nos dias de hoje, graças à
compreensão luso-brasileira, para mais exacto, à compreensão lusíada, que é uma
contribuição portuguesa para o melhor ajustamento das relações entre os homens,
e o transplante das instituições europeias para o Novo Mundo.
Tudo isso nasce do plano traçado por D. João III em 1532. Na
primeira fase cria as Capitanias; na segunda o Governo Geral do Geral do Brasil,
como conseqüência daquela.
Martim Afonso de Sousa vem com ilimitados poderes para
povoar a costa americana. Povoar e não colonizar é o verbo
empregado.
E em carta de Lisboa, 28 de Setembro de 1532, D. João III
escreve a Martim Afonso: "Depois de vossa partida se praticou se seria meu
serviço povoar-se toda essa costa do Brasil, e algumas pessoas me
requeriam capitanias em terra dela".
Por isso mesmo, de Lisboa, a 19 de Novembro de 1548, D. João
III escreve a Caramurú: "Diogo Álvares. Eu el-rei vos envio muito saudar.
Eu ora mando Tomé de Sousa, fidalgo de minha casa, a essa Bahia de Todos os
Santos, por capitão e governador dela, para na dita Capitania e mais outras
desse ESTADO DO BRASIL, prover de justiça dela e do mais que ao meu
serviço cumprir". (Visconde de Porto Seguro. "História Geral
do Brasil". 1-T.p.297 3.ª ed. integral).
Esta expressão ESTADO DO BRASIL empregada
pela primeira vez por D. João III seria substituída, três séculos mais tarde
por D. João VI, por Reino do Brasil unido ao Reino de
Portugal.
O SISTEMA DE CAPITANIAS
Não bastava a Portugal ter descoberto o Brasil;
era necessário sujeitar as novas terras ao dinamismo da civilização européia.
Submeter a Deus, que todo o mande, como diz Camões, o Mundo achado
ou descoberto, era condição lógica dos factos, porque estava nos interesses
morais e materiais dos povos europeus.
Nessa altura, a contribuição de Portugal para iluminar o
planeta é grandiosa e ímpar, seja no domínio do temporal ou no do espiritual,
visto como ambos se condicionam. E ambos se interpenetravam no tempo e no
espaço. Por isso mesmo, o pensamento de D. João III estava em povoar as
Capitanias. Assim, observa o Rei, "fui informado, que algumas partes
faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil, considerando Eu
quanto trabalho se lançaria fora gente que a povoasse, depois de estar
assentada na terra e ter nela algumas forças, como já em Pernambuco começava a
fazer..."
Estava já dividido o Brasil em Capitanias,
cuja designação continua até 1815, quando passam a Províncias do Reino criado
por D. João VI: o Reino do Brasil unido ao de Portugal. E
nesse começo de povoamento, a política social do Brasil já
estava traçada por D. João III em suas linhas mestras.
Aplicado nas ilhas da Madeira e dos Açores, o sistema de
Capitanias deu ótimos resultados, observadas as condições do momento e os
objetivos em vista. Era, nessa época, o mais apropriado a promover o rápido
povoamento do novo território lusitano esparsamente habitado por gente de
civilização rasteira.
Mais tarde, franceses e ingleses lançaram mão do mesmo
processo e utilizaram-se dele em condições muito semelhantes às especificadas
nos diplomas portugueses. E inspirados no mesmo modelo.
Nascia então uma colônia portuguesa nas
terras de Santa Cruz?
Sobre a "designação de colônias muito
se tem discutido (em Portugal) se era preferível a de Províncias
Ultramarinas adoptada nos primeiros textos constitucionais portugueses) que
alguns supunham tradicional e tão genuinamente portuguesa que mais nenhum país
a empregara" (João Gonçalo Santa Rita. "O Acto Colonial".
in-Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. T-II-n.os 1 e 2 —
1936).
Empregada na segunda metade do século XVIII, a palavra colônia aplicada
ao Brasil-Lusitano, Província do Império de Portugal, não tem
sentido histórico.
O sistema de Capitanias hereditárias é a primeira e única
divisão administrativa desse período de mais de trezentos anos. E nada nele
recorda as colônias gregas, romanas ou cartaginesas da Antigüidade.
O DIREITO FORALEIRO
Assim, o evoluir da civilização portuguesa no Brasil constitui
uma página diferente na história do povoamento do Novo Mundo.
Importa estudar, nesse caso, os princípios informadores da
primeira experiência de povoamento para se ver, dentro deles o pensamento
oficial da Coroa disposta a ocupar, de maneira efectiva, o imenso território
brasileiro.
E interessa examinar a doutrina jurídico-moral da política
de povoamento do Brasil habitado pelos brasilíndios, povos de
civilização rasteira, em cujo trato e relações sociais os portugueses vão dar
ao mundo exemplos sem par da mais alta humanidade, portadores que eram da
tarefa missionária e civilizadora de criadores, como criaram, nos trópicos, uma
nação alicerçada no luso-cristianismo.
Para conhecimento do regime jurídico do Brasil no
período anterior ao Governo Geral, as primeiras fontes são as cartas de doação
e os forais das Capitanias.
Em primeiro lugar está a "Carta de doação", em
caráter hereditário.
Depois, cada Capitania recebe o "foral" onde se
encontra alguma disposição do hoje chamado direito público local.
Conforme as circunstâncias e o meio aplicam-se no território
luso-brasileiro duas peças tradicionais do sistema político-administrativo
português: por um lado as doações de bens da coroa com direitos reais, por
outro as cartas de foral, isto é, o direito foraleiro. E esses dois diplomas
formam o estatuto-constituição da Capitania in-constituendo.
Por essa forma a coroa outorgava, em benefício dos
donatários, a maior parte de seus direitos majestáticos.
Conservava para as Capitanias futuras um protectorado, com
poderes muito limitados, em troca de poucos tributos, inclusive o do
dízimo.
Com esse tributo ela pagava os funcionários públicos, desde
o Governador; dava assistência econômica à Companhia de Jesus; mantinha o culto
religioso e contribuía com a redízima para os senhores das terras.
E deste modo quase Portugal reconhecia a independência
do Brasil, ainda antes de povoamento, empenhado com estava em vê-lo
aproveitado e civilizado.
*****
Neste ponto interrompo o texto de Tito Lívio Ferreira e
posto o capítulo "As rendas da capitania" extraído do livro
"O Brasil nos tempos de El-Rei", de Homero Barradas,
págs. 41-41:
As rendas da capitania
O foral ocupava-se primordialmente em discriminar as
rendas do Capitão e as que eram devidas a El-Rei. Ao primeiro [i.é., ao
Capitão] cabia a exclusividade de todas as marinhas de sal e engenhos,
inclusive de águas, podendo ajustar foro ao conceder a sua exploração.
Tinha a meia dízima (5%) de todo o pescado; a redízima
(dízima da dízima, ou seja, 1%) de toda a produção da capitania; a vintena (5%)
do produto do pau-brasil que se vendesse na Europa; a renda, como
já ficou dito, das alcaidarias e a pensão dos tabeliães; a redízima do tributo
das barcas, taxado pelas câmaras.
Podia vender anualmente em Lisboa 39 escravos sem pagar
direito algum; para seu uso podia importar quantos quisesse da África.
Ao Rei cabia a dízima de todos os produtos e o monopólio
do pau brasil a ser vendido na Europa, descontada a vintena
devida ao Capitão.
No país era livre o aproveitamento da madeira de
tingir.
A Coroa se reservava ainda a exclusividade das
especiarias e drogas e do comércio de escravos, além do quinto (20%) dos metais
preciosos.
Havia liberdade de comércio para os moradores da
capitanias, quer com os índios, quer com as outras donatarias, quer com o Reino
e com o estrangeiro. Quem, entretanto, não morasse no Brasil não podia
negociar diretamente com o gentio, sob penas severas.
El-Rei prometia que "pera sempre" respeitaria o
que o foral estabelecia em toda esta matéria, e especialmente que nem ele nem
seus sucessores imporiam outros tributos que não os ali
declarados.
*****
O GOVERNO DA NOVA-LUSITÂNIA
A instituição do Governo Geral decorre naturalmente do
sistema de Capitanias adaptado à América Portuguesa.
Tomé de Sousa vem unificar as donatarias e lançar a semente
do Estado.
Na sua companhia, com ordenados pagos pela Coroa Portuguesa,
vem os sacerdotes sob o comando do Venerável Padre Manoel da Nóbrega, jesuíta
primaz do Brasil, de quem Robert Southey, insuspeitíssimamente diz:
"Quiz a sua boa estrela (de Nóbrega) colocá-lo num país, onde só os bons
serviços de sua Ordem podiam ser postos em acção. Não há
ninguém a cujos talentos deva o Brasil tantos e tão
permanentes serviços." (História doBrasil" — 1.° vol.
456. 1862).
Sacerdote e homem do Estado, forma ao lado e junto de Tomé
de Sousa desde a hora primeira afim de realizarem, de comum acordo, o
pensamento de D. João III: civilizar a terra brasileira e construir cidades com
a mão de obra do brasílindio e dos povoadores, pelo salário e pela fusão das
raças branca e vermelha.
Nóbrega chega à Bahia em 1549 e brada aos seus comandados:
"Esta terra é nossa empreza". E por essa empresa e por nossa terra
daria a própria vida vinte e um anos mais tarde.
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D. João III outorga ao Brasil a primeira
Constituição datada de Almeirim, 27 de dezembro de 1548.
Nesse notável documento conhecido pelo título de Regimento
de Tomé de Sousa observam-se os princípios do mais puro Catolicismo e fixam-se
normas jurídico-morais para a vida económico-social da comunidade luso-cristã
nascente nas terras brasileiras. Nele se lê: "Eu El-Rei faço saber a
vós Tomé de Sousa, fidalgo de minha casa, que vendo Eu quanto serviço de Deus e
meu é conservar e enobrecer as capitanias e povoações das terras do Brasil e
dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se possam ir povoando,
para exalçamento da nossa santa fé e proveito dos meus reinos e senhorios e dos
naturais deles..."
"porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as
ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se
convertesse à nossa santa fé católica..."
"Porque uma das primeiras coisas que mais cumpre para
as ditas terras do Brasil melhor se poderem povoar..."
Nesse documento de alto valor jurídico-teológico só existe o
verbo povoar e seu particípio presente povoando.
No Regimento de Antônio Cardoso de Barros, de 17 de dezembro
de 1548, o Rei faz saber a esse cavaleiro fidalgo de sua casa, "quanto
serviço de Deus e meu é serem as terras do Brasil povoadas de
cristãos:... "
Com a preocupação de tudo fazer em termos de direito, o Rei
manda executar o "Regimento dos provedores da fazenda del Rei Nosso Senhor
nas terras do Brasil".
Duarte Coelho, Governador da Capitania de Pernambuco chama
o Brasil a Nova Lusitânia em 1546.
NASCE A PROVÍNCIA DO BRASIL
Em História é preciso examinar os fatos não como
com este ou aquele ponto de vista preconcebido: mas como observador armado
sempre da objectividade necessária a todos quantos se propõem a estudar um
problema de transcendência e com probidade científica.
Para isso reli as Cartas de Doação, Forais, Regimentos,
Provisões, Alvarás, Nomeações, Atas, Registos, Documentos, Ordenações do Reino,
Cronistas e Historiadores.
E o Império de Portugal se compunha, além das Províncias e
do reino, do Algarve, o primeiro conquistado para a Coroa, as Províncias
Ultramarinas chamadas Estados, onde se incluiam os arquipélagos do
Atlântico. Nação de juristas, canonistas e teólogos de primeira grandeza,
cujas luzes brilharam nas cátedras de várias Universidades da França, a começar
pela de Paris, de várias Universidades da Espanha e da Itália, todos esses
professores e intelectuais estavam a serviço dos monarcas de seu tempo.
Daí as Ordenações Afonsinas e as Ordenações Manuelinas onde
se condensava o longo e profundo labor jurídico-teológico-filosófico de
teólogos, juristas e canonistas interessados em codificar em normas de Direito
doutrinas avançadas para a própria época afim de serem aplicadas à vida
prática. E daí o valor desses documentos para a história do Direito, da
sociedade e das idéias em Portugal nos tempos modernos.
Dentro dessa linha de pensamento, D. João III recomenda a
Tomé de Sousa, nesse famoso Regimento: "Levareis o treslado da Ordenação,
para que se publique e se guarde inteiramente".
Nascia na Província de Santa Cruz, na Nova Lusitânia, o Estado
do Brasil, Província do Império de Portugal, com a concentração de
poderes, para evitar arbitrariedades e impor o regime jurídico-moral da Coroa,
uniforme e disciplinado.
E a feição de Província começa a ser conformada por Tomé de
Sousa e por Manoel da Nóbrega, para ser completada pelo Desembargador Mem de
Sá, três homens de Estado cuja perfeita unidade de vistas e alta compreensão
deram ao Brasil da época a formação e consolidação
definitivas.
Governador da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho escreve
a D. João III para informar o soberano do progresso da Nova Lusitânia e lembrar
"a todas as pessoas a que S. M. deu terras no Brasil que
venham a povoar residir nelas..."
E a 14 de abril de 1549 o Governador de Pernambuco insiste,
em carta ao Rei, para mandar as pessoas que "querem povoar ou ajudar a
povoar as capitanias..." e estas "minhas terras da Nova
Lusitânia", onde vivem moradores e povoadores. Para
instalar em Salvador da Bahia o Governo, funcionários e povoadores, em 1550 a
Coroa Portuguesa gasta tresentos mil crusados, equivalentes hoje, talvez a três
milhões de cruzeiros.
E o verbo povoar e povoadores se
juntam porque verbo e substantivo se fundem em acção e movimento.
AS LIBERDADES MUNICIPAIS
Instalada a primeira Câmara Municipal portuguesa no Brasil,
em 1532, logo se levanta o pelourinho, símbolo da autonomia municipal, diante
do Paço.
Nomea-se os primeiros funcionários; os vereadores são os
homens bons da vila.
E os Governadores procuravam atender às circunstâncias do
momento. Serve-lhes de guia o empirismo tradicional baseado na experiência onde
se acomodava às condições novas.
Pouco aferrados a categoria jurídicas ou a idéias
cristalizadas, não recorriam a princípios ideológicos. Recorriam,
às vezes, às Ordenações do Reino a bem da comunidade ou da república. Os planos
surgiram nem sempre perfeitamente delineados. E atendiam, em princípio, ao
senso prático da vida.
Vesperava o começo do século XVII e o Brasil-Lusitano
surge no quadro geral das instituições portuguesas cujo funcionamento nem
sempre se ajusta às condições específicas da vida luso-brasileira.
Nessa organização político-administrativa há peças
improvisadas, processo ainda hoje em prática, a engrenar mal em peças obsoletas
ou gastas pelo uso.
E "no meio desses desacertos, há, porém, grandes
acertos, um superior espírito de objectividade, um admirável senso das nossas
realidades, um conhecimento profundo, e meticuloso da nova terra e da gente que
a conquista, a desbrava e a povoa. (Oliveira Viana. "Evolução do Povo
Brasileiro" 2.ª ed. 199-200).
Já existe o Estado do Brasil em pleno
funcionamento com sua organização político-administrativa em fins do século
XVI.
"As liberdades comunais provam à evidência que o Brasil,
longe de ter sido uma simples colônia em estado de servidão
constitucional, foi logo integrado no Império construído pelos
portugueses, fruindo dos benefícios assegurados aos seus habitantes do
além-mar". (J. P. Galvão de Sousa: "Introdução à História do
Direito Brasileiro". 1954-53).
Se assim era na administração municipal, o mesmo se verifica
na administração da Justiça, com juizes ordinários eleitos pelo povo, com
assento na Câmara Municipal, os juizes de fora, formados em direito, os
ouvidores, com jurisdição especial nas Capitanias.
E o Professor José Pedro Galvão de Sousa observa, muito
judiciosamente, no seu trabalho citado acima: "É preciso levar em conta as
circunstâncias da época e a inexistência do princípio de separação de poderes
para compreender o quanto significava na vida jurídica brasileira a instituição
destes órgãos de Justiça", numa sociedade nascente.
POVOADORES E NÃO COLONOS
Os Portugueses de Portugal eram povoadores do Brasil-Lusitano,
vinhampovoá-lo e não colonizá-lo, porque
o Brasil não era colônia.
Todos os documentos, sem excepção, empregam o verbo povoar e
o substantivo povoador, ou morador da terra.
Assim, após a transferência da Câmara Municipal e do povo de
Santo André para São Paulo, em 1560, a pedido do Venerável Padre Manoel da
Nóbrega fundador de São Paulo, e de João Ramalho, por ordem do Desembargador
Mem de Sá, Governador do Estado do Brasil, a Câmara Municipal de
São Paulo de Piratininga, a 20 de Maio de 1561, dirige-se à Rainha de
Portugal: "Senhora. Sabendo nós os da Câmara e mais moradores desta
vila de São Paulo de Piratininga, Capitania de São Vicente, o zelo e desejos
tão santos de V. A. de povoar esta terra e plantar nela a boa
semente da fé de Nosso Senhor Jesus Cristo..."
"depois dele (Governador) ter partido se ajuntaram
muitos índios do Campo dos nossos amigos, que vinham para irem à guerra dos
contrários com os Cristãos, os quais estavam já tão fora disso, que são gente
do mar que povoa a Vila de Santos e de São Vicente..."
Mais adiante, os vereadores piratininguaras pedem à sua
Rainha: "E outrosim mande que os degradados que não sejam
ladrões sejam trazidos a esta Vila para ajudarem a povoar, porque há muitas
mulheres da terra, mestiças, com quem casarão e povoarão a terra". (F.
A. Varnhagem. "Historia Geral do Brasil" T. 1-400-401).
O termo povoador aparece nos documentos
portugueses do século treze.
Nas Inquirições de 1290 lê-se "A aldeia de Fornelos
dizem as testemunhas que a probou (povoou), Estevam Peres,
Pobrador (Povoador) de Chaves".
Em Viana, quando se fundou, o alcaide chamava-se pobrador
(povoador). (Alexandre Herculano. "Historia de Portugal", vol.
2-224).
Nesse caso, continua o eminente historiador: "Ainda
quando estas (povoações) eram fundadas de novo, e o castelo estava apenas
delineado, nomeava-se logo para aí um alcaide, como há pouco vimos em
Penamacor, o qual às vezes usava tão somente do título de povoador (pobrador)
enquanto se não realizava a edificação de alcáçova.
É o que, por exemplo, acontecia em Monsaraz, (Concelho
perfeito da primeira fórmula) onde em 1265, em vez de alcaide achamos
precedendo aos juizes municipais um pobrador (povoador) o qual dois anos depois
se intitula povoador-mor (poblador mayor) e alcaide da vila". (Idem-Ibidem.
224). Assim, em São Paulo de Piratininga, nos primeiros anos de 1600,
Antônio Fernandes, morador na Vila, pede à Câmara lhe seja dado algum pedaço de
chão, com alegar a sua qualidade inconteste de povoador antigo.
E tempo adiante acentua ser "casado com uma filha e
neta de doispovoadores e conquistadores". (Sesmarias vol. I).
Povoadores e conquistadores cultivam ampliam, civilizam os seus
domínios. E os povoadores não se intitulam colonos.
A CIVILIZAÇÃO LUSO-CRISTÃ
O significado evidente do esforço, do trabalho e do
sacrifício dos portugueses em trezentos anos para fazer do Brasil uma
nação, não pode ser sintetizado sumariamente em meia dúzia de
páginas de história.
Nem é tão simples explicar-se em forma fácil e categórica
esse combate perene e persistente de cento e vinte mil dias numa terra inóspita
e selvagem onde tudo estava por fazer e precisava de ser feito; numa terra onde
os homens enfrentavam os problemas e procuravam resolvê-los de maneira prática
e utilitária; numa terra sem Deus, sem lei e sem governo.
OS BRASILEIROS SÃO PORTUGUESES
O fato de não existir no Estado do Brasil um
estatuto colonial que o colocasse em situação de inferioridade jurídica,
segundo muito bem observou o Dr. José Pedro Galvão de Sousa já citado, leva o
Conselho da Índia, mais tarde Conselho Ultramarino, a fixar o princípio
jurídico da nacionalidade portuguesa dos brasileiros, em 1607, declarando:
"A Índia e mais terras ultramarinas de cujo governo
se trata neste Conselho, não são distintas nem separadas deste Reino
nem ainda lhe pertencem a modo de união, mas são membros do mesmo Reino, como o
é o (reino) do Alentejo e Entre-Douro-e-Minho, porque se governam com as mesmas
leis e magistrados e gozam dos mesmos privilégios que o mesmo Reino e assim tão
português é o que nasce e vive em Goa, ou no Brasil, ou em Angola, como o
que vive e nasce em Lisboa". (Códice da Biblioteca da Ajuda).
Este documento não está citado em trabalho
de historiador brasileiro.
Devo à generosidade amiga do Dr. Alberto Iria, devotado e
culto diretor do Arquivo Histórico Ultramarino, a cópia desse documento.
E aqui lhe manifesto, de público, o meu agradecimento por
ter mandado copiar na Biblioteca da Ajuda essa decisão do Conselho Ultramarino,
na realidade fundamental para o estudo sincero da evolução social e política do Brasil-Lusitano.
OS DIREITOS DE CIDADÃOS DO PORTO
Quando irrompe em São Paulo, a luta entre Pires e Camargos,
por causa da Câmara Municipal, cuja eleição fora fraudada pelos Camargos, o
alvará de 10 de fevereiro de 1642 concede aos cariocas, "cidadãos e
moradores da dita cidade (do Rio de Janeiro, os direitos para que) usem e gozem
das honras , privilégios e liberdades que gozam os cidadãos do Porto" (F.
A. Varnhagen. "História Geral do Brasil". T-III. p. 177)
porque portuenses lisboetas, coimbrões, cariocas, paulistas, baianos,
pernambucanos, maranhaneses, cearenses, paraenses, algarvios, goenses,
angolanos, nascidos em Portugal, no Brasil, em Goa, ou nas Ilhas,
todos são portugueses, vassalos e súditos de Sua Magestade, o Rei e Chefe
supremo do Império Lusitano.
Os mesmos privilégios de cidadãos do Porto foram conferidos
aos moradores de Belém do Pará, em 1655; aos de São Luiz do Maranhão, em 1645,
aos da Bahia em 1646, aos de São Paulo em 1715, além da mercê outorgada pelo
Rei de Portugal aos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo para gozarem da
nobreza de cavaleiros fidalgos.
D. João II equiparara os portuenses aos lisboetas pela carta
de 1.° de Junho de 1490, conforme disposto em 1447.
E os mesmos direitos foram outorgados aos brasileiros, por
serem portugueses.
PORTUGAL PAGA O BISPO E OS JESUÍTAS
Da Bahia, em julho de 1552, Padre Manoel da Nóbrega escreve
ao rei de Portugal D. João III, o co-fundador da Companhia de Jesus, na palavra
de Inácio de Loiola.
Nessa carta, o grande jesuíta diz: "Acrescentam-se
agora GASTOS de BISPO E Cabido, o que a terra (do Brasil)
neste principio não poderá sustentar, juntamente com os
oficiais". (Opera Omnia do Padre Manoel da Nóbrega. Edição do P.
Serafim Leite 1955. p. 115)
Nóbrega reconhece que o rendimento da terra
do Brasil é insuficiente parapagar o Bispo, o
Cabido, o Governador, os funcionários e os jesuítas.
No entanto, pede ao seu rei mais jesuítas, na mesma carta:
"Mande V. A. muitos da Companhia que sustentem este pouco que está
ganhando, para que possamos ir buscar tesouro de almas para Nosso Senhor, e
descobrir proveito para este Reino (de Portugal) e Rei (D. João III) que tão
bem o sabe GASTAR em serviço e glória do Rei dos reis e do Senhor dos
Senhores", (p. 116).
E Tomé de Sousa gastara tresentos mil cruzados para a
instalação do Governo Geral na Bahia.
Em suas cartas, Nóbrega diz que o Rei de Portugal mandara
pagar a cada jesuíta, além do vestuário, vinho para missas e farinha para
hóstias, um cruzado mensalmente. Um cruzado naquela época andaria hoje pela
casa dos cinco mil cruzeiros.
Nos "Documentos Históricos" publicados pela
Biblioteca Nacional, (volumes 13 e 14) podem ser lidos vários recibos
passados por Nóbrega e Paiva, dos ordenados recebidos.
Na época a palavra ordenado, vencimento, salário tinha o
nome de "mantimentos". E Anchieta havia de assiná-los, mais tarde,
quando elevado a Provincial da Companhia.
OS COLÉGIOS ERAM DA COROA PORTUGUESA
Mas o rendimento do Estado do Brasil era
escasso. Padre Serafim Leite esclarece bem o assunto na sua "Historia da
Companhia de Jesus noBrasil", tomo 1.°, paginas 111 e
seguintes.
Transcreve, na integra, a carta de doação de 1564, do rei D.
Sebastião de Portugal em que este afirma:
1.° — Os colégios eram do Rei e mantidos pela Coroa, porque
seu avô D. João III mandara "fazer e fundar Colégios à custa de sua
fazenda";
2.° — "enquanto se lhe não faziam e
dotavam os ditos Colégios, mandava o dito senhor (D. João III de Portugal)
PROVER DE SUA FAZENDA OS DITOS PADRES, NOS DITOS LUGARES (do Estado do Brasil),
em que estavam de MANTIMENTOS (ORDENADOS), VESTIDOS, e tudo o mais necessário a
suas pessoas, IGREJAS, CASAS E HABITAÇÕES".
E o Padre Serafim Leite, S. J. historiador oficial da
Companhia de Jesus, porque para isso foi especialmente
designado pelo Geral da Ordem, concluiu: "Portugal, assumia assim, na
pessoa do seu Chefe Supremo, o encargo de SUSTENTAR OS PADRES DA COMPANHIA DE
JESUS NOBRASIL", (p. 114).
E em 1568 o mesmo rei manda pagar, "à custa de sua
Fazenda", o sustento do Colégio de Piratininga.
Qual era o rendimento do Estado do Brasil,
província do Império de Portugal?
Em 1584 as capitanias da Bahia, Pernambuco e Itamaracá
rendiam, pela arrematação do dízimo, apenas trinta mil cruzados.
Em 1609, a mesma receita subira a 115.500 cruzados. (Códice
Castel Melhor. MS. na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).
Em 1615, conforme Frei Nicolau de Oliveira "Grandezas
de Lisboa", citado por João Lúcio de Azevedo em "Épocas de Portugal
Econômico", p. 265, rendia o ESTADO DO BRASIL 54:400$000
GASTOS TODOS NA TERRA.
Frei Luiz de Sousa dá ao Estado do Brasil, em
1628, a despesa de 59:487$164.
Em 1668 o provedor mor do Estado do Brasil,
Francisco Lamberto, comunica ao Rei que o rendimento dos dízimos não dá
para as despesas.
A DESPESA EXCEDE A RECEITA
Em 1720 "pareceu ao Conselho (Ultramarino) por na
presença de Vossa Majestade a carta e a relação inclusas do Provedor-mór da
Fazenda do ESTADO DO BRASIL em que se contem o rendimento e
despezas feitas em três anos na Capitania da Bahia, pela qual se mostra EXCEDER
A DESPEZA À RECEITA e que nos ditos três anos se dispensaram com a repartição
do Conselho da Fazenda da dita Capitania (em Salvador) CENTO E DEZESSEIS MIL
CRUZADOS" (Doe. Hist. Bib. Nac. vol. 97-211).
Em 1728, o rei de Portugal escreve ao Provedor-mor da Praça
de Santos, em resposta a carta deste funcionário, a respeito do
"rendimento e despesa que aí teve a Fazenda Real no ano de (mil)
setecentos e vinte e seis, pela qual se vê que para cobrir (a despesa) FALTOU
um conto tresentos e trinta e quatro mil duzentos e trinta réis, sem entrar na
dita conta os quatro mil cruzados que eu mandei dar ao Governador e Capitão
General da Capitania de São Paulo Rodrigo César de Menezes, QUE SE LHE NÃO PAGARAM
POR NÃOHAVER DINHEIRO, nem se satisfez a despesa do seu transporte
a Cuiabá, cujas faltas (de dinheiro) se experimentam por se MULTIPLICAREM AS
DESPESAS e NÃO SE AUMENTAREM AS RENDAS, me pareceu dizer-vos
que se recebeu a dita relação (orçamento) e por ela se vem no conhecimento da
impossibilidade e POUCO RENDIMENTO QUE Aí TEM A MINHA REAL FAZENDA, e porque
pode em algum tempo ter maior crescimento, sou servido a remetais (a relação ou
orçamento) todos os anos, como vos está ordenado" (Docs. Hists., vol. I
- p. 143-144).
Em 1768 o Morgado de Mateus, Governador de São Paulo informa
ao Conde de Oeiras que os dízimos da Capitania andam arrecadados em sete contos
seiscentos e vinte mil réis por ano, dos quais se gastam seis contos seiscentos
e vinte e cinco mil reis COM A CLASSE ECLESIÁSTICA.
Pede instruções sobre a maneira de se aplicar os restantes
965$870. (Documento inédito do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa).
MOEDA PROVINCIAL E MOEDA IMPERIAL
No ano de 1797, informam o Vice-Rei do Estado do Brasil e
os Governadores das Capitanias a respeito da moeda circulante e seus
valores.
Havia dois tipos de moeda: a moeda PROVINCIAL cunhada na
Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, desde o século XVI; e a moeda cunhada em
Lisboa.
Cunhadas aqui ou na sede do Império, eram de ouro, prata e
cobre.
As cunhadas aqui tinham o dobro do peso das cunhadas em
Portugal.
A moeda PROVINCIAL (da Província do Brasil)
"gira geralmente em toda a América". Por diferentes ordens regias a
Casa da Moeda da Bahia havia cunhado, desde 12 de abril de 1729 até 6 de dezembro
de 1774 (em 45 anos) em MOEDA PROVINCIAL (termo do documento) de ouro, prata e
cobre 337:657$757 (tresentos e trinta e sete contos seiscentos e cinqüenta e
sete mil setecentos e cinqüenta e sete reis) (Doc. n.° 17.295 - Inv. dos
docs. relativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e
Ultramar de Lisboa. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Esses volumes podem
ser consultados na Biblioteca do Museu Paulista, na do Departamento de Educação
e do Instituto Histórico).
Na mesma data o Governador de São Paulo informa: "Nas
transações diárias e regulares desta Capitania circulam pela MAIOR PARTE AS
BARRAS DE OURO; e MOEDA PROVINCIAL (da Província do Brasil) DE
OURO... de prata... e cobre. E' IMPOSSÍVEL CONHECER-SE A QUANTIDADE OU O VALOR
TOTAL que circula da MOEDA PROVINCIAL por não haver aqui Casa
da Moeda" (Informação do governador Bernardo José de Lorena a D.
Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário do Reino. São Paulo, 28 de junho de 1797.
Documentos Interessantes para a Historia de São Paulo. vol. 45-203).
E as despesas do Estado Brasil abrangiam
além dos funcionários públicos (civis, militares e eclesiásticos), a construção
e reconstrução de igrejas, de fortalezas, de prédios públicos, de ornamentos e
alfaias para os templos.
OS JESUÍTAS SÃO PROFESSORES PÚBLICOS PAGOS PELO REI
Eram ainda os jesuítas, professores públicos pagos pela
Coroa Portuguesa.
O Rei de Portugal mantinha e sustentava o ensino público e
gratuito, nos três graus: primário, secundário e superior.
Abra-se o tomo VII, página 141 a 229, "Historia da
Companhia de Jesus noBrasil", do doutíssimo Jesuíta Padre Serafim
Leite e ter-se-á a prova das palavras acima.
"Para estes 65 obrei-ros (jesuítas), o Padre Baltazar
Duarte, (Procurador dos Jesuítas em Lisboa nesses anos de 1694 e 1695) além de
diversos objetos de matalotagem, alcançou de El-Rei (de Portugal) o subsidio de
3:675$000.
O saldo de 276$230 reis, ficou a favor do Brasil.
PORTUGAL, observa Baltazar Duarte, DAVA OS MISSIONÁRIOS E
AINDA PAGAVA AS DESPESAS" (Leite. "História da Companhia de Jesus
noBrasil" Tomo VI - - pagina 601).
E por isso, em carta ao Governador do Estado do Brasil,
Marquês das Minas, datada de 20 de novembro de 1686, o Rei de Portugal
estabelecia que as escolas onde os jesuítas lecionavam eram PUBLICAS e dizia:
"PORQUE AS ESCOLAS DE CIÊNCIA DEVEM IGUALMENTE SER COMUNS A TODO O GÊNERO
DE PESSOAS SEM EXCEÇÃO ALGUMA" (Does. Hists. Ministério da Educação,
vol. 68-p. 116).
E em 1758 funcionavam no Colégio da Bahia 4 Faculdades:
Faculdade de Letras, Faculdade de Teologia, Faculdade de Filosofia e Faculdade
de Matemáticas.
O FAMIGERADO OURO DO BRASIL
A proteção dispensada pela Coroa Portuguesa à lavoura
canavieira tornara, já em 1580, Pernambuco o maior centro econômico do Estado
do Brasil, com a sua exportação anual de 200.000 arrobas de
açúcar.
"A produção exportável dos canaviais de Pernambuco, da
Bahia e do Rio de Janeiro, base da economia do Brasil no
primeiro século e meio de sua vida colonial, não se deixou
suplantar pelas minas de ouro do século XVIII, das quais teriam saido essas
70.000 arrobas tão faladas pelos que pedem contas rigorosas aos governos
da colônia e da metrópole, durante os cento e vinte anos da
extração desse metal precioso.
Efetivamente, as 70.000 arrobas de ouro, dando a média de
9.000 quilos por ano, com valor de 12.200 contos ao cambio de 27 d.,
correspondiam à metade do valor do açúcar de Pernambuco, a medir-se pela
exportação do fim do século passado.
O quinto desse metal, arrecadado pelo Fisco, longe de
atingir 14.000 arrobas, não passou de 7.673 conforme Rocha
Pombo, quantia acumulada em 120 anos de arrecadação e cujo valor total, ao
cambio de 70 d. (setenta) por mil reis, que vigorava ao chegar no Brasil o
príncipe regente (D. João), orça em 46.202 contos, correspondentes à média de
cerca de tresentos e noventa contos por ano sem descontar-se a despesa de
arrecadação.
O Brasil, entretanto, para custeio dos serviços
públicos, já dispendia, no ano de 1810, cerca de 3.000 contos, muitas vezes
mais do que lhe rendia o quinto do ouro, ao cambio do tempo.
Curioso de notar-se é o fato que o Transvaal de hoje, nos
três últimos anos, de 1925 a 1927, produzindo lib. 120.000.000 de ouro
metálico, forneceu tanto ouro metálico, quanto o Brasil Colonial,
em mais de um século de um trabalho mineiro". (José Pires do Rio
"Traços da Evolução Econômica doBrasil" Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo. 27. p. 14).
O ESTADO DO BRASIL
Frei Vicente do Salvador, na sua "História do Brasil",
(2.a ed.) trata no capítulo primeiro de "como foi descoberto
este ESTADO", (p. 13), para afirmar: "E por ventura por isto, ainda
que ao nome de Brasil ajuntaram o de ESTADO e lhe chamam
ESTADO DO BRASIL. . ." (p. 15)
E já em fins do século XVI era publicado o "Sumário e
Descrição do Reino de Angola e do desenvolvimento da Ilha de Loanda e da
grandesa das Capitanias do ESTADO DO BRASIL. Feito por Domingos de
Abreu Brito. Português. Ano de 1592."
Mesmo fora de Portugal aparecia outro livro intitulado:
"Restauracion de Ia Ciudad del Salvador e Baia de Todos-Sanctos, en la
PROVÍNCIA DELBRASIL". Ano 1628. Madrid", onde se lê:
"Descubrimiento, descripcion, e poblaciones de la PROVÍNCIA DEL BRASIL...
COMO SE GOVERNA A VILA DE SÃO PAULO
A expressão ESTADO DO BRASIL, está generalizada
na documentação do tempo.
O escrivão da Câmara Municipal de São Paulo abre a ata de
1.° de Janeiro de 1669, "nesta Vila de São Paulo, da Capitania de São
Vicente, do Estado do Brasil, São Paulo e as demais cidades (Atas
da Câmara de S. Paulo. Vol. VI) a favor de Fernão de Camargo, morador em
São Paulo.
Nesse documento se lê: "A Vila de São Paulo contem em
si e em seu recôncavo (interior) mais 7 vilas, e todas serão 20.000 vizinhos
(moradores); é anexa à Capital de São Vicente, onde assiste o Capitão-mór e
ouvidor de capa e espada, posto (nomeados) pelo Donatário, o Marquês de
Cascais; GOVERNA-SE A (vila de SÃO PAULO NA FORMA DAS DEMAIS DO REINO, COM
OFICIAIS (Vereadores) da CÂMARA E JUIZES ORDINÁRIOS pela "Ordenação"
(Ordenações do Reino); e sobre a eleição de oficiais é que tiveram as ditas famílias
(Pires e Camargos) os debates e controvérsias que a provisão acusa; os
ouvidores do Rio de Janeiro vão em correição a estas vilas como corregedores da
comarca". (Francisco Adolfo Varnhagen, "História Geral do Brasil".
Tomo III, p. 238. 3.a edição).
SEMPRE FOMOS PORTUGUESES
Nessas condições, em 1651, Pierre Moreau, natural do
Charolais, na Borgonha, França, que residira por muitos anos entre os
holandeses, em Pernambuco, estabelece a diferença entre os invasores e os
naturais da terra, dizendo:
"Ao passo que os PORTUGUESES EM SUA MAIORIA ALI
NASCERAM (em Pernambuco) dele são originários desde a quarta geração, são
robustos, um MESMO POVO, dos mesmos costumes e complexões, que se sustentam
entre si, não deixam de valorizar e tirar proveito da terra,
sabem-lhes os mínimos recantos, e basta-lhes esperarem os inimigos nas
passagens para derrotá-los". (Capistrano de Abreu. "Capítulos de
História Colonial". 1928. p. 135).
Assim, não será por acaso, que o mestre da
heurística brasileira observava: "O PORTUGUÊS VINDO DA TERRA, O REINOL,
julgava-se superior ao PORTUGUÊS NASCIDO NESTAS PARAGENS ALONGADAS E BÁRBARAS;
O PORTUGUÊS NASCIDO NO BRASIL, o masombo, sentia e reconhecia a sua
inferioridade". (C. de Abreu. Obra citada, p. 99).
Capistrano de Abreu parece não ter razão na
afirmativa.
Portugueses nascidos no Brasil, eram Fernão Dias
Paes e Manoel da Borba Gato, naturais de São Paulo, entre milhares e milhares
de outros.
Portugueses do Brasil, naturais de Pernambuco,
entre milhares e milhares de outros, eram Jerônimo de Albuquerque Maranhão, o
Patriarca do Nordeste e Matias de Albuquerque, Conde de Alegrete.
Português era o mameluco André de Vidal de Negreiros, um dos
comandantes da Insurreição Pernambucana às ordens do português da Ilha da
Madeira, João Fernandes Vieira, o "Governador da Liberdade".
E o português André Vidal de Negreiros nomeado pelo rei de
Portugal, foigovernador das Capitanias do Maranhão e da Paraíba, e
governador do reino de Angola, na África.
Assim, os portugueses nascidos no Brasil não se
julgavam inferiores aos seus irmãos de além-oceano.
Fale por nós o Patriarca da Independência, quando a 24 de
dezembro de 1821, seis meses antes do 7 de setembro, escrevia ao Governador de
Minas Gerais: "SEMPRE FOMOS PORTUGUESES e queremos ser irmãos dos da
Europa, mas não seus escravos". (Francisco Adolfo de
Varnhagen. "História da Independência do Brasil".
Separata do volume 173 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, p. 148).
Daí D. Pedro, príncipe-regente do REINO DO BRASIL ao
realçar "o quanto era necessário e urgente, para a mantença da integridade
da Monarquia Portuguesa e justo decoro do Brasil, a convocação de
assembléia luso-brasiliense, que, investida daquela porção de soberania que
essencialmente reside no povo deste grande e riquíssimo continente, constitua
as bases sobre que se deve erigir a sua independência, que a natureza marcara e
de que já estava de posse, e a sua união com as mais partes integrantes da
grande família portuguesa, que cordialmente deseja", de modo a
"assegurar a felicidade deste REINO (do Brasil) e manter uma
justa igualdade de direitos entre ele e o de Portugal, sem perturbar a paz que
tanto convém a ambos e tão próprio é de povos irmãos", convoca uma
Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, composta de deputados das
províncias do Brasil.
Datado do Rio de Janeiro, 3 de junho de 1822, esse documento
está assinado por José Bonifácio de Andrada e Silva, "do meu Conselho de
Estado e do Conselho de Sua Majestade Fidélíssima El-Rei o Senhor D. João VI, e
meu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino doBrasil e
Estrangeiros", e por D. Pedro, Príncipe-regente do Reino do Brasil.
(F. A. de Varnhagen. Obra citada, p. 181/182).
E se Alexandre de Gusmão português natural de Santos, fora
Ministro, de Portugal, junto à Santa Sé, em Roma, durante dez anos e Secretário
particular do Rei D. João V de Portugal; também José Bonifácio de Andrada e
Silva, futuro Patriarca da Independência, português natural de Santos, ao mesmo
tempo era Conselheiro de D. João VI rei de Portugal e Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios do Reino do Brasil, sob a regência do Príncipe
D. Pedro.
O BRASIL PARECE UM NOVO PORTUGAL
Lidos e examinados os forais, as cartas de doação, as leis,
os alvarás, os regimentos, as cartas e ordens regias, os bandos, as actas das
Câmaras Municipais de Santo André e de São Paulo, os Documentos Históricos do
Arquivo e da Biblioteca Nacional, os cronistas do ESTADO DO BRASIL,
as Ordenações do Reino, cuja vigência tivemos até 1.° de Janeiro de 1917, — em
todo esse vasto, variado, imenso e pouco visto documentário não se
encontra, uma vez sequer, a palavra colônia, ou colonos, mesmo no
sentido comum de povoamento, quanto mais no sentido pejorativo de hoje.
Por isso mesmo, D. João III, inteligente, humanista, e
católico ante-viu num clarão genial o futuro do Brasil-Lusitano ao
nomear Tomé de Souza, figura de primeira grandeza na Corte de Lisboa, soldado
experimentado e administrador político de renome, primeiro Governador Geral do
Estado doBrasil para alicerçar a maior civilização moderna nos
trópicos, onde avulta, magnífica, a figura impar do Padre Manoel da Nobrega,
homem de Estado e sacerdote, símbolo perfeito da obra civilizadora de Portugal
em nossa terra.
E por isso mesmo, Nobrega e o Desembargador Mem de Sá fazem
do Brasilnão uma colônia, mas o novo Portugal nas
Américas.
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Excertos de conferência do autor proferida na Sociedade
de Geografia de Lisboa, aos 27/06/1957.
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