O perene e o circunstancial no pensamento de José Bonifácio de Andrada e Silva: o católico e o maçom
(Do site da Associação Civil Santa Maria das Vitórias)
(Do site da Associação Civil Santa Maria das Vitórias)
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
Acabo de ler Projetos para o Brasil (Publifolha,
São Paulo, 2000), uma boa compilação de escritos diversos de José Bonifácio de
Andrada e Silva. José Bonifácio é um dos poucos homens públicos brasileiros que
desde jovem me chamou a atenção e admirei.
Sabia que José Bonifácio era o responsável pelo bom
sucesso do processo de independência do Brasil em 1822. Sabia, como qualquer
brasileiro, que tinha tido um tremendo conflito com D. Pedro I e vítima de
injustiça. Sabia que a causa do conflito era sua defesa de uma monarquia
constitucional, à inglesa, ameaçada pelo pendor absolutista do nosso primeiro
imperador. Sabia também que era um homem inteligente, culto, fino, de boa
família, mas não sabia que era um grande estadista, um pensador, um homem que
tinha, realmente, um projeto para a nação que começava a engatinhar.
Há varias coisas a considerar a respeito de Projetos
do Brasil. Em primeiro lugar, deve-se dizer que se trata de escritos
esparsos, de notas pessoais, que não se destinavam à publicação, de modo que
apresentam um tom muito intimista e pessoal.
José Bonifácio expressa uma visão abrangente, perspicaz,
dos problemas e desafios do Brasil de então, visão que conserva uma
atualidade impressionante. Percebia que o Brasil era um país completamente
heterogêneo, com grupos humanos marginalizados, como os negros e índios, além
de imensas regiões isoladas. Em poucas palavras, o Brasil tinha-se constituído
um Estado independente em virtude de uma crise política, sem que de fato
houvesse uma nação brasileira. Esta tinha de ser construída, com muita
prudência e sabedoria, qualidades que distinguiam o caráter do patriarca da
independência.
Via com clareza o problema da escravatura. Propugnava
pelo fim do tráfico negreiro e pela abolição gradual do cativeiro. Denunciava
com agudeza os males morais decorrentes do regime escravocrata. A escravidão,
dizia, produz uma degradação geral da sociedade, favorecendo o surgimento de
todos os vícios. Queria a integração dos índios à civilização. Combatia as
injustiças cometidas contra ambas etnias, silvícolas e negros africanos,
dizendo que os reis de Portugal tinham tentado defender os primeiros, mas
tinham fomentado a exploração dos negros.
Como solução de tantos problemas, e visando à construção
da nacionalidade, defendia a miscigenação, através da qual seria possível
construir uma nação brasileira homogênea. E reconhecia a necessidade de, uma
vez abolida a escravidão, garantir aos ex-escravos trabalho no campo por meio
de uma reestruturação do sistema fundiário que corrigisse injustiças na
distribuição da propriedade rural.
Ademais, José Bonifácio de Andrada e Silva tinha
consciência da necessidade de preservar nossas florestas e rios, proteger a
natureza em geral, destruída pela ignorância de um povo que não tinha
conhecimento da ciência agrícola. Via igualmente os malefícios da monocultura
da cana de açúcar e clamava pelo incentivo da agricultura, especialmente pela
produção de alimentos essenciais, assim como pelo incentivo da piscicultura e
apicultura.
Dava-se conta também da necessidade premente de fomentar
a vida intelectual do país através da criação de escolas, fundação de jornais,
etc.
Por outro lado, sob o aspecto político, a visão de José
Bonifácio de Andrada e Silva é de uma sensatez e de um realismo admiráveis.
Tendo conhecido de perto os horrores da Revolução Francesa – esteve na França
poucos meses antes do regicídio – e vendo o perigo da anarquia revolucionária,
queria para o Brasil uma monarquia constitucional, pois pensava que uma
república seria incapaz de preservar a integridade do território do antigo
império português na América, além de outros inúmeros males que grassavam nas
republiquetas nascidas sobre as ruínas do antigo império espanhol e poderiam
repetir-se no Brasil.
Cumpre dizer que, como maçom e iluminista, José
Bonifácio de Andrada e Silva, não obstante sua defesa de uma monarquia
constitucional, não esconde sua simpatia pelo despotismo esclarecido. Elogia os
cognominados grandes da Rússia, Pedro e Catarina, bem como Frederico II da
Prússia, chegando a dizer que, se D. Pedro I fosse como este último, ele lhe
perdoaria as injustiças. Mas não poupa duras críticas ao caráter do príncipe,
dizendo que era um sultão, que chegaria às mais baixas grosserias da
luxúria, a ponto de adquirir um coração insensível, incapaz de nutrir amizade e
respeito por alguém.
Após a leitura tão edificante de Projetos para o Brasil, impõe-se a questão: o projeto de José Bonifácio para o Brasil era um projeto maçônico incompatível com nossa consciência moral e nossos valores católicos tradicionais e irrenunciáveis?
Após a leitura tão edificante de Projetos para o Brasil, impõe-se a questão: o projeto de José Bonifácio para o Brasil era um projeto maçônico incompatível com nossa consciência moral e nossos valores católicos tradicionais e irrenunciáveis?
Sou pela negativa. Os princípios fundamentais do projeto
do nosso patriarca são os princípios perenes da moral católica e do direito
natural. Em várias páginas o patriarca diz que as bases de uma nação são a
família, a religião e a propriedade privada. Seus argumentos mais contundentes
contra a escravatura são de natureza teológica, porquanto diz que uma
instituição tão desumana contradiz a lei do Evangelho.
É bem verdade que em várias páginas respinga um
anticlericalismo maçônico, a zombaria dos padres e frades, mas sempre em razão
de uma crítica legítima: a conivência do clero secular e religioso com a
injustiça da escravidão. Por outro lado, enaltece o padre Vieira, paladino dos
direitos dos índios e negros. É certo que tem um preconceito contra o celibato
eclesiástico, compreensível pelo ambiente intelectual em que se formou e quem
sabe justificado por maus exemplos que presenciou.
Terá formulado talvez um juízo injusto da obra de
evangelização dos jesuítas junto aos indígenas. Mas é preciso reconhecer que
não se trata de um assunto tão simples: por um lado, os jesuítas foram heróicos
e beneméritos evangelizadores, defendendo e civilizando os índios, por outro
lado, parece terem cometido um erro (assim dizem alguns críticos eruditos),
mantendo-os em um estado infantil, não os preparando para viverem como homens
adultos integrados na sociedade civil. Os jesuítas teriam tentado uma utopia na
América.
Da leitura do texto de José Bonifácio de Andrada e Silva
não resulta a conclusão, como pretende o autor do posfácio, Omar Ribeiro
Thomas, de que o patriarca defendesse para a construção da nação brasileira uma
ideologia iluminista, como se estivesse convicto de que bastavam as luzes da
deusa Razão para a felicidade e progresso do Brasil. Se lia Voltaire, era porque
estava na moda – como muitos hoje incensam cretinamente Saramago -, mas não
porque dissesse com o ímpio francês ecrasez l’infame.
A ser correta a interpretação do sr. Ribeiro Thomas,
como explicar que José Bonifacio, embora não fosse um católico fervoroso,
sublinhasse em várias passagens o valor da religião, a importância da catequese
na educação da juventude (chega a falar da reza do terço de Nossa Senhora como
parte da catequese dos índios!), tivesse a sensatez de propugnar por uma
monarquia, e não fosse um republicano furibundo? Ademais, José Bonifacio
distancia-se da ideologia maçônico-iluminista criticando os devaneios de
Rousseau (o mito do bom selvagem) e formulando um juízo criterioso sobre a
inquisição, ao dizer que esse tribunal em Portugal e na Espanha não agrediu a
sociedade porque o ponto de honra era ser ortodoxo.
Em suma, Projetos para o Brasil revelam
um homem de um bom senso extraordinário, muito distinto de um ideólogo
iluminista revolucionário ou mesmo reformista. Revelam um homem dotado de
notável prudência, dócil à realidade, consciente da importância dos valores
tradicionais para a saúde de uma sociedade. Sem dúvida, José Bonifácio de
Andrada e Silva estava influenciado pelo iluminismo à portuguesa, mas o
argumento substancial de todo o seu discurso expressa as constantes da
civilização na busca do aperfeiçoamento das instituições sociais e da elevação
moral do homem. O acidental e circunstancial, que não compromete o valor
dos seus escritos, são algumas diatribes sectárias de anticlericalismo e
antijesuitismo, que alguns mais tarde seriam declaradas por José de
Alencar, em célebre discurso contra a maçonaria e em defesa do Estado
confessional, como relíquias de um passado morto.
Oxalá a figura exponencial do patriarca da Independência
inspirasse os nossos políticos de hoje a lutar pela defesa dos valores morais
da família brasileira, pela libertação dos novos escravos, os jovens usuários
de drogas, explorados pelos traficantes, tão execráveis quanto os antigos
mercadores do tráfico negreiro. Oxalá os ajudasse a ver a necessidade da
educação religiosa e moral da juventude. Oxalá os encorajasse na defesa da
propriedade privada, sobretudo da propriedade rural, vilipendiada pelos
criminosos baderneiros do MST acobertados pelo governo petista.
Oxalá nos ensinasse a todos brasileiros a edificar
instituições políticas em harmonia com nossas raízes históricas.
Anápolis, 30 de dezembro de 2010.
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