Em postagem de ontem, Mundividência teceu algumas considerações sobre a dura seca que atualmente castiga o Nordeste brasileiro. Como os leitores bem devem se lembrar, foi abordado inclusive o calamitoso manejo governamental da crise nordestina, o qual dá boas razões para se crer que o grupo político ora encastelado em Brasília espera com a seca colher dividendos eleitorais no ano que vem.
Pode parecer chocante para alguns, mas a geração de uma estável e contínua prosperidade não é um bom receituário para a manutenção de longo prazo no poder: antes parece ser o contrário. Vide o caso de Margaret Thatcher, a Primeira-Ministra britânica responsável pelo improvável resgate da economia inglesa das garras da obsolescência e da estagnação, e vide o caso de Hugo Chávez, tirano responsável por uma economia venezuelana em retração e flagelada pela carestia e os racionamentos. Assim, a geração momentânea e artificial de prosperidade é o ideal para o grupo político que deseja perpetuar-se indefinidamente no poder. Nessa lógica, a prosperidade inorgânica e pontual deve estar para o eleitorado como a isca está para o peixe: não deve existir para nutrir e engordar a ingratidão melindrosa dos insaciáveis escamosos, mas deve ser suficiente apenas para seduzi-los e capturá-los.
É desse modo que o Partido dos Trabalhadores (PT) tem procedido com o Nordeste. Nada que permita uma honesta e auto-sustentável prosperidade tem lugar nas iniciativas do governo petista para com os nordestinos: somente o assistencialismo fomentador da dependência e vulnerável a barganhas eleitorais tem vez. Tudo quanto possa tornar o nordestino protagonista da própria "redenção econômica" é combatido pelos petistas. Para aclarar a afirmativa, Mundividência reproduz na íntegra antiga matéria da revista VEJA a respeito da aniquilação da poderosa cultura cacaueira da Bahia, empreendimento no qual estiveram engajados elementos do PT:
Petistas são acusados de disseminar a praga
que destruiu a lavoura de cacau no sul da Bahia
Policarpo Junior
No dia 22 de maio de 1989, durante uma inspeção de
rotina, um grupo de técnicos descobriu o primeiro foco de uma infecção
devastadora conhecida como vassoura-de-bruxa numa plantação de cacau no sul da
Bahia. A praga é mortal para os cacaueiros. Os técnicos, porém, se
tranqüilizaram com a suposição de que se tratava apenas de um foco isolado.
Engano. Em menos de três anos, de forma espantosamente veloz e estranhamente
linear, a vassoura-de-bruxa destruiu as lavouras de cacau na região – e fez
surgir um punhado de explicações para o fenômeno, inclusive a de que o Brasil
poderia ter sido vítima de uma sabotagem agrícola por parte de países
produtores de cacau da África, como Costa do Marfim e Gana. Reforçando, então,
as suspeitas de sabotagem, técnicos encontraram ramos infectados com
vassoura-de-bruxa amarrados em pés de cacau – algo que só poderia acontecer
pela mão do homem, e nunca por ação da própria natureza. A Polícia Federal
investigou a hipótese de sabotagem, mas, pouco depois, encerrou o trabalho sem
chegar a uma conclusão. Agora, dezessete anos depois, surge a primeira
testemunha ocular do caso. Ele conta que houve, sim, sabotagem, só que
realizada por brasileiros.
Em quatro entrevistas a VEJA, o técnico em administração
Luiz Henrique Franco Timóteo, baiano, 54 anos, contou detalhes de como ele
próprio, então ardoroso militante esquerdista do PDT, se juntou a outros cinco
militantes do PT para conceber e executar a sabotagem. O grupo, que já atuava
em greves e protestos organizados na década de 80 em Itabuna, a principal
cidade da região cacaueira da Bahia, pretendia aplicar um golpe mortal nos
barões do cacau, cujo vasto poder econômico se desdobrava numa incontrastável
influência política na região. O grupo entendeu que a melhor forma de minar o
domínio político da elite local seria por meio de um ataque à base de seu poder
econômico – as fazendas de cacau. "O imperialismo dos coronéis era muito
grande. Só se candidatava a vereador e prefeito quem eles queriam", diz
Franco Timóteo. A idéia, diz ele, partiu de Geraldo Simões, figura de proa no
PT em Itabuna que trabalhava como técnico da Ceplac, órgão do Ministério da
Agricultura que cuida do cacau. Os outros quatro membros do grupo – Everaldo
Anunciação, Wellington Duarte, Eliezer Correia e Jonas Nascimento – tinham
perfil idêntico: eram todos membros do PT e todos trabalhavam na Ceplac.
Franco Timóteo conta que, bem ao estilo festivo da
esquerda, a primeira reunião em que o assunto foi discutido aconteceu num bar
em Itabuna – o Caçuá, que não existe mais. Jonas Nascimento explicou que a
idéia era atingir o poder econômico dos barões do cacau. Geraldo Simões sugeriu
que a vassoura-de-bruxa fosse trazida do Norte do país, onde a praga era – e
ainda é – endêmica. Franco Timóteo, que já morara no Pará em 1976, foi
escolhido para transportar os ramos infectados. "Então eu disse: 'Olha, eu
conheço, sei como pegar a praga, mas tem um controle grande nas divisas dos
estados'." Era fim de 1987, início de 1988. Apesar do risco de ser
descoberto no caminho, Franco Timóteo foi escalado para fazer uma primeira
viagem até Porto Velho, em Rondônia. Foi de ônibus, a partir de Ilhéus.
"Em Rondônia, qualquer fazenda tem vassoura-de-bruxa. Nessa primeira
viagem, peguei uns quarenta, cinqüenta ramos. Coloquei num saco plástico e
botei no bagageiro do ônibus. Se alguém pegasse, eu abandonava tudo." Nos
quatro anos seguintes, repetiria a viagem sete ou oito vezes, com intervalos de
quatro a seis meses entre uma e outra. "Mas nas outras viagens trouxe os
ramos infectados num saco de arroz umedecido. Era melhor. Nunca me
pegaram."
Franco Timóteo conta que, quando voltava para Itabuna,
entregava o material ao pessoal encarregado de distribuir a praga pelas
plantações. A primeira fazenda escolhida para a operação criminosa chamava-se
Conjunto Santana, ficava em Uruçuca e pertencia a Francisco Lima Filho, então
presidente local da União Democrática Ruralista (UDR) e partidário da
candidatura presidencial de Ronaldo Caiado. Membro de uma tradicional família
cacaueira, Chico Lima, como é conhecido, tinha o perfil ideal para os
sabotadores: era grande produtor e adversário político. "Chico Lima era
questão de honra para nós", diz Franco Timóteo. Foi justamente na fazenda
de Chico Lima que foi encontrado o primeiro foco de vassoura-de-bruxa, em 22 de
maio de 1989 – e a imagem dos técnicos, no exato momento em que detectam a
praga, ficou registrada numa fita de vídeo à qual VEJA teve acesso. Como medida
profilática os técnicos decidiram incinerar todos os pés de cacau da fazenda.
Chico Lima ficou arruinado. Hoje, arrenda as terras que lhe restam e vive dos
lucros de uma distribuidora de bebidas. Informado por VEJA da confissão de Franco
Timóteo, ele lembrou que sempre se falou de sabotagem – mas de estrangeiros – e
mostrou-se chocado. "Isso é um crime muito grande, rapaz. Os responsáveis
têm de pagar", disse.
Os ataques às fazendas, todas situadas ao longo da
BR-101, aconteciam sempre nos fins de semana, quando diminui o número de
funcionários. O grupo tinha o cuidado de usar um carro com logotipo da Ceplac
para criar um álibi: se eles fossem descobertos por alguém, diriam que estavam
fazendo um trabalho de campo. "A gente chegava, entrava, amarrava o ramo
infectado no pé de cacau e ia embora. O vento se encarregava do resto",
conta Franco Timóteo. Para dar mais verossimilhança a uma suposta disseminação
natural da vassoura-de-bruxa, o grupo tentou infectar pés de cacau numa lavoura
mantida pela própria Ceplac. Não deu certo, devido à presença de um vigia, e o
grupo acabou esquecendo, no atropelo da fuga, um saco com ramos infectados
sobre a mesa do escritório da Ceplac. A operação criminosa, por eles apelidada
de "Cruzeiro do Sul", desenrolou-se por menos de quatro anos – de
1989 a 1992. "No início de 1992, parou. Geraldo Simões disse que a praga
estava se propagando de forma assustadora. Não precisava mais."
Os sabotadores nunca foram pegos, mas deixaram muitas
pistas. "Encontramos provas de que houve sabotagem em várias
fazendas", conta Carlos Viana, que trabalhava como diretor da Ceplac
quando a praga começou a se disseminar. Ele se lembra do saco plástico
esquecido sobre a mesa do escritório da Ceplac numa das lavouras – e isso o
levou, inclusive, a acionar a Polícia Federal para investigar a hipótese de sabotagem.
"Uma coisa eu posso garantir: os focos não foram acidentais", diz
Viana, que deixou o órgão e tem hoje uma indústria de óleo vegetal. Um
relatório técnico e oficial, elaborado pela Ceplac logo no início das
investigações, chegou a considerar a hipótese de que produtores do Norte do
país teriam levado a vassoura-de-bruxa para as plantações da Bahia – mas
movidos por "curiosidade ou ignorância". O relatório afirma que a
chegada à Bahia da Crinipellis perniciosa, nome científico do fungo causador da
vassoura-de-bruxa, "não pode ser atribuída a agentes naturais de
disseminação". VEJA consultou Lucília Marcelino, pesquisadora da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em Brasília, para saber se a história
contada por Franco Timóteo seria viável. "Sob o ponto de vista técnico,
sim", diz ela.
A sabotagem produziu um desastre econômico. Derrubou a
produção nacional para menos da metade, desempregou cerca de 200.000
trabalhadores e fez com que o Brasil, então o segundo maior produtor mundial de
cacau, virasse importador da fruta. Um estudo da Universidade Estadual de
Campinas, elaborado em 2002, estima que a devastação do cacau na Bahia
provocou, nos últimos quinze anos, um prejuízo que pode chegar à astronômica
cifra de 10 bilhões de dólares. Mas, na mesquinharia política dos sabotadores,
o plano foi um sucesso. Em 1992, no primeiro pleito depois da devastação,
Geraldo Simões elegeu-se prefeito de Itabuna pelo PT – e presenteou os quatro
companheiros de sabotagem com cargos em sua gestão. Everaldo Anunciação foi
nomeado secretário da Agricultura – cargo que deixaria dois anos depois, sendo
substituído por Jonas Nascimento, o outro petista sabotador. Wellington Duarte,
também membro do grupo da sabotagem, ficou como chefe-de-gabinete do prefeito.
E Eliezer Correia ganhou o cargo de secretário de Administração e Finanças.
Como não pertencia ao PT, Franco Timóteo não ganhou cargo algum na prefeitura.
Em 1994, com o recrudescimento de suspeitas de que a vassoura-de-bruxa fora uma
sabotagem, ele resolveu deixar Itabuna e mudar-se para Rondônia. O prefeito lhe
deu um cheque de 250.000 cruzeiros reais (o equivalente a 800 reais hoje) para
ajudar nas despesas da viagem – paga, para variar, com dinheiro público. A
operação consta da contabilidade da prefeitura, em que está registrada sob o
número 2 467, e informa que o beneficiário era mesmo Franco Timóteo, mas,
providencialmente, não há processo descrevendo o motivo do pagamento. "É
estranho. Se havia algum processo, sumiu", diz o atual prefeito, Fernando
Gomes, do PFL.
Nos últimos anos, Franco Timóteo tem sido assaltado pelo
remorso do crime que cometeu. Um dos atingidos era seu parente. Silvano Franco
Pinheiro, seu primo, tinha uma empresa de exportação de semente de cacau que
chegou a faturar 30 milhões de dólares por ano. "Perdi tudo", conta
Pinheiro, que, há seis anos, ouviu a confissão de Franco Timóteo. "Falei
para ele sumir da cidade porque seria morto", conta o primo. Para expiar
sua culpa, Franco Timóteo também fez sua confissão para outro fazendeiro, Ozéas
Gomes, que chegou a produzir 80.000 arrobas de cacau e empregar 1.400
funcionários – e hoje mantém ainda um padrão confortável de vida, mas emprega
apenas 100 funcionários, A produção caiu para 15.000 arrobas. "Quando ouvi
a história, fiquei com muita raiva. Mas, depois, ele explicou que não tinha
idéia da dimensão do que fazia..." No fim do ano passado, Franco Timóteo
confessou-se ao senador César Borges, do PFL baiano e plantador de cacau.
"A história dele tem muitos pontos de veracidade diante do que a gente
sempre suspeitou ter acontecido", diz o senador. O governador Paulo Souto,
cujos familiares perderam tudo devido à vassoura-de-bruxa, também ouviu uma
confissão de Franco Timóteo. O senador e o governador, porém, decidiram ficar
em silêncio, segundo eles para evitar a acusação de exploração política.
Os acusados desmentem categoricamente qualquer
envolvimento na sabotagem e dizem até que nem sequer conhecem Franco Timóteo.
"Nunca vi esse louco", diz Geraldo Simões, que, no governo Lula,
ganhou a presidência da Companhia das Docas da Bahia, da qual se afastou agora
para concorrer a deputado federal pelo PT. "Essa história toda é
fantasiosa", diz Eliezer Correia, que continua cuidando de cacau e hoje é
chefe de planejamento da Ceplac, em Itabuna. "É um absurdo", diz
Wellington Duarte, que, no atual governo, foi promovido a um dos chefões da
Ceplac em Brasília. Everaldo Anunciação, que foi nomeado para o cargo de
vice-diretor da Ceplac, diz que não liga o nome à pessoa. Jonas Nascimento –
demitido a bem do serviço público na década de 90, voltou numa função
comissionada, em 2003, no Centro de Extensão da Ceplac em Itabuna – é o único
que admite conhecer Franco Timóteo, mas nega a história. Talvez seja o único a
contar um pedaço da verdade. Ouvido por VEJA, o publicitário Ithamar Reis
Duarte, ex-secretário de Meio Ambiente na gestão do petista Geraldo Simões,
conta que essa turma toda – Franco Timóteo e os petistas – é de velhos
conhecidos. "Era um grupo que se reunia sempre para planejar ações",
diz ele, que participou de alguns encontros. "Fazíamos reuniões até no meu
escritório. Se alguém negar isso, estará mentindo."
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