A REALEZA DE
NOSSO SENHOR
JESUS CRISTO
D. Antônio de Castro Mayer,
Por Mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica.
Bispo Diocesano de Campos.
Ao Rev.mo Clero Secular e Regular.
às Ver. das Religiosas.
à Venerável Ordem Terceira
de Nossa Senhora do Monte Carmelo.
às Associações de piedade e apostolado
e aos fiéis em geral da
Diocese de Campos,
Saudação, paz e bênçãos
em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Caríssimos cooperadores e amados filhos,
Ao encerrar-se o Ano Santo de 1925, o Santo Padre Pio XI
instituiu a festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei. Fixou, como seu dia
próprio, o último domingo de outubro, o que precede a festa de Todos os Santos.
O novo calendário transferiu-a para o derradeiro domingo do Ano Litúrgico, que
incide na última década de novembro.
Com a nova festa litúrgica, dedicada a solenizar
especialmente a Realeza universal de Nosso Senhor Jesus Cristo, visava o Papa
opor um remédio eficaz ao Laicismo, à peste que corrói a sociedade
humana, “peste de nossos tempos”, diz o Papa.
Justificando sua expressão e externando sua esperança
nos frutos que a nova solenidade litúrgica iria produzir, escreveu Pio XI a
memorável Encíclica “Quas primas”,de 11 de dezembro daquele Ano
Santo de 1925. Passados cinqüenta anos, conserva seu ensinamento toda
oportunidade, uma vez que os castigos desabados sobre a Humanidade,
especialmente com a grande guerra de 1939 a 1945, não demoveram os homens de
sua impiedade. Ainda os que professam fé religiosa, em boa parte, continuam a
viver como se Deus não existisse.
É, portanto, útil, e mesmo necessário inculcar
novamente, e sempre, nos fiéis, a importância da festa de Nosso Senhor Jesus
Cristo Rei, a fim de movê-los a atualizar na vida privada, bem como na familiar
e social, a vassalagem devida ao Soberano do Universo, evitando que se frustrem
as esperanças dos frutos que essa festividade está destinada a operar nas
almas.
Eis a razão deste colóquio convosco, amados cooperadores
e diletos filhos, com que confiamos excitar-nos mutuamente ao zelo pela glória
de Deus e salvação das almas.
I – SOBERANIA DIVINA
Avivemos, primeiramente, nossa fé na Realeza universal de nosso Divino Salvador.
É Ele verdadeiramente Rei universal, isto é, tem
soberania absoluta sobre todo o Gênero Humano, sobre os homens todos, mesmo
aqueles que se acham fora de seu redil, a Santa Igreja Católica Apostólica
Romana.
Pois, realmente, toda pessoa é criatura de Deus.
Deve-Lhe todo o ser, quer na unidade da natureza, como em cada uma das partes
de que ela se compõe: corpo, alma, faculdades, inteligência, vontade;
sensibilidade; mesmo os atos dessas faculdades, bem como de todos os órgãos,
são dádivas de Deus, cujo domínio se estende até aos bens da fortuna, frutos
que são de sua inefável liberalidade. A simples consideração de que ninguém
escolhe ou pode escolher a família a que irá pertencer na terra, com a
respectiva posição social na sociedade, basta para nos convencer desta verdade
fundamental em nossa existência.
De onde, Deus Nosso Senhor é o Soberano Senhor de todos
os homens, tanto individualmente considerados, como em grupos sociais, uma vez
que, ao constituir as várias comunidades, não perdem eles sua condição de
criatura. Sendo que a existência da própria sociedade civil obedece aos
desígnios de Deus, que fez social a natureza do homem. Todos os povos,
portanto, todas as nações, desde as mais primitivas até as mais civilizadas,
desde as menores até as superpotências, todas estão sujeitas à Soberania
Divina, e, de si, têm obrigação de reconhecer esta suave dominação celeste.
Realeza de Jesus Cristo
Ora, esta soberania, confiou-a Deus ao seu Filho
Unigênito, como atestem freqüentemente as Sagradas Escrituras.
São Paulo, de modo geral, declara que Deus “constituiu
a seu Filho herdeiro universal” (Heb. 1, 2). São João, de sua parte,
corrobora o pensamento do Apóstolo dos gentios em muitos passos de seu
Evangelho. Por exemplo, quando lembra que “o Pai não julga a ninguém,
pois, todo o julgamento entregou ao Filho” (Jo. 5, 22). Pois, a
prerrogativa de distribuir a justiça compete ao Rei; Quem a possui, é porque
está revestido de poder soberano.
Esta realeza universal que herdou ao Pai, não deve
entender-se apenas como a herança eterna, pela qual, com a natureza divina,
recebeu o Filho todos os atributos que O fazem igual e consubstanciai à
Primeira Pessoa da SSma. Trindade, na unidade da Essência Divina.
Ela é especialmente atribuída a Jesus Cristo como Homem,
Mediador entre o Céu e a Terra. Porquanto a missão do Verbo Encarnado foi
precisamente esta, instaurar na terra o Reino de Deus. Eis que as expressões da
Sagrada Escritura relativas à realeza de Jesus Cristo, referem-se, sem sombra
de dúvida, à sua condição de homem.
Como filho de Davi Rei, é Ele apresentado ao mundo,
aonde vem a herdar o trono paterno, extenso como os extremos da terra, e
eterno, sem cômputo de anos. Foi como o Arcanjo Gabriel anunciou a dignidade do
Filho de Maria: “Darás à luz um Filho, ao qual imporás o nome de Jesus.
Ele será grande, e chamar-se-á Filho do Altíssimo. Dar-lhe-á o Senhor o trono
de Davi seu pai, e reinará eternamente na casa de Jacó, e seu reino não terá
fim” (Lc. 1, 31-33). É, outrossim, como Rei que O buscam os Magos
vindos do Oriente a adorá-Lo: “ - Onde nasceu o Rei dos Judeus?” -
perguntam a Herodes, ao chegarem a Jerusalém (Mat. 2, 2). A missão, pois, que
confiou o Padre Eterno ao Filho, ao fazê-lo Homem, foi instalar na terra um
reino, o Reino dos Céus. É mediante a implantação deste Reino que vai
concretizar-se aquela inefável caridade com que Deus, desde toda a eternidade
amou aos homens e os atraiu misericordiosamente a si: “Dilexi te et
atraxi te miserans tui” (Jer. 31, 3).
Eis que Jesus consagra sua vida pública ao anúncio e
instalação deste seu Reino, ora apontado como Reino de Deus, ora, como Reino
dos Céus. À moda oriental, serve-se de encantadoras parábolas, para inculcar a
idéia e a natureza desse Reino que veio fundar. E seus milagres visam convencer
o povo de que seu Reino havia chegado, estava no meio do povo. “Si in
digito Dei eiicio daemonia, profectu pervenit in vos Regnum Dei” - “Se expulso
os demônios em nome de Deus, é sinal de que, sem dúvida possível, chegou até
vós o Reino de Deus” (Lc. 11, 20).
A constituição deste seu Reino absorveu de tal maneira
sua atividade que a apostasia judaica aproveitou a idéia para justificar a
acusação contra Ele levantada no tribunal de Pilatos: “Si hunc
dimittis, non es amicus Caesari” -”Se o absolves, não és amigo de César”, vociferavam
ao Procônsul, “pois todo o que se faz rei, se opõe a César”(Jo.
19,12). Corroborando a opinião de seus inimigos, confirma Jesus Cristo ao
Procurador romano que Ele é realmente, Rei: “Tu dizes, eu sou
Rei” (Jo. 18, 37).
Rei no sentido próprio
Eis que não é possível pôr em dúvida o caráter real da
obra de Jesus Cristo. Ele é Rei.
Pede nossa Fé, no entanto, que conheçamos bem o alcance
e o sentido da realeza do Divino Redentor. Pio XI exclui, desde logo, o sentido
metafórico, com o qual chamamos Rei e real o que há de mais excelente numa
maneira de ser ou agir humano, como quando falamos na rainha da bondade, no rei
dos poetas, etc.
Não. Jesus Cristo não é rei nesse significado
transposto. Ele é Rei no sentido próprio da palavra. É exercendo prerrogativas
reais de governo soberano, ditando leis e cominando penas contra os
transgressores, que Ele aparece na Sagrada Escritura. No célebre “Sermão
da montanha” (Mt. 5, 4 ss.) pode dizer-se que o Salvador promulgou o
Código do seu Reino. Como verdadeiro soberano, exige obediência às suas leis
sob pena, nada menos do que da condenação eterna. E mesmo com a cena do
julgamento, quando o Filho de Deus vier, para distribuição de sua justiça aos
vivos e aos mortos, que Ele anuncia o fim do mundo: “Virá então o Filho
do Homem na sua majestade... e separará os homens, como o pastor separa as
ovelhas dos cabritos... e dirá aos que estiverem à direita: Vinde, benditos de
meu Pai., e aos da esquerda: Ide, malditos, para o fogo eterno... E estes irão
para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna” (Mt. 24, 31
ss.).
Dulcíssima e tremenda sentença. Dulcíssima para os bons,
pela excelência sem par do prêmio que os aguarda. Tremenda e pavorosa para os
maus, pelo alucinante castigo a que são eternamente remetidos.
Basta semelhante consideração para avaliar-se a
importância suma que há para os homens, em bem discernir onde se encontra aqui
na terra o Reino de Jesus Cristo, pois pertencer-lhe ou não, é decisivo de sua sorte
eterna. Dizemos “aqui na Terra”, uma vez que é neste mundo que
o homem merece o prêmio ou o castigo de além túmulo. Na Terra, pois, hão de os
homens se integrar nesse inefável Reino de Deus, temporal è eterno, pois
forma-se no mundo e floresce no Céu.
A Igreja Católica, o Reino de Deus
A mesma Sagrada Escritura que nos levou ao conhecimento
da Realeza de Jesus Cristo nos diz quais são, no mundo atual, como
continuadores da missão do Divino Mestre, os chefes autênticos de seu Reino.
Condutores credenciados do rebanho de Cristo são os legítimos sucessores dos
Apóstolos; pois, foi sobre os Apóstolos que o Salvador edificou sua Igreja, ou
seja, seu Reino, em cujo seio encaminham-se os homens para o Céu.
Aos Apóstolos, com efeito, confiou Jesus seu poder, e
para eles exigiu a mesma obediência que Lhe era, a Ele, devida: “Quem
vos ouve a Mim ouve”, disse-lhes o Divino Mestre, “quem vos
rejeita a Mim rejeita” (Lc. 10, 16). E noutro lugar, caracterizando o
poder de governar, dirigir sua sociedade, a Igreja, declarou-lhes: “Tudo
quanto ligardes na terra, será ligado no Céu, tudo quanto desligardes na terra
será desligado no Céu” (Mt. 18, 18).
Depois de sua Ressurreição, especifica o poder soberano
concedido aos Apóstolos, dizendo que atinge mesmo o perdão dos pecados,
prerrogativa exclusiva de Deus: “A quem perdoardes os pecados
ser-lhe-ão perdoados, e a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos' (Io. 20,22).
Depois de ter, durante sua vida, com várias expressões, significado que seu
poder de encaminhar os homens ao Céu Ele o passava aos Apóstolos, como que
compendiando essa sua disposição, ao despedir-se deste mundo para retornar ao
seio do Padre Eterno, entrega-lhes Jesus a direção de sua obra que ainda
continuará na Terra, uma vez que, até o fim do mundo, Deus deverá ser
glorificado e as almas salvas: “Foi-me dado, diz Ele aos
Apóstolos, todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, e ensinai a todos
os povos, ensinando-os a praticar tudo quanto vos mandei” (Mt. 28,
20). E às ordens dos Apóstolos, como a legítimos superiores, há obrigação de
obediência sob pena de perder a alma: “Quem crer e for batizado, será
salvo; quem não crer, será condenado” (Mc. 16, 16). Crer, isto é,
aceitar e viver de acordo com a Doutrina dos Apóstolos, que isso é propriamente
“crer” com toda a alma. Portanto, portar-se como súdito do Reino de Jesus
Cristo, da Santa Igreja. Porquanto, no mesmo momento em que transmitia seus
poderes aos Apóstolos, assegurou a permanência de sua obra, de sua Igreja, de
seu Reino - três expressões que envolvem o mesmo significado — ao declarar que
ficaria com os mesmos Apóstolos até o fim do mundo, ou seja, teriam os
Apóstolos legítimos sucessores, junto dos quais continuaria Nosso Senhor sua
presença para que eles mantivessem íntegra a herança recebida. “E eis que
estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt. 28, 20).
Igreja hierárquica
Enfim, cuidando que não faltasse a unidade de governo,
necessária em todo reino para que se conserve, e, ordenadamente, atinja o fim
por que se constitui, instituiu Jesus a hierarquia sagrada que, na Santa
Igreja, ensina, dirige e santifica seu povo. De Pedro fez a rocha inexpugnável,
sobre a qual edificou sua Igreja, dando-lhe as chaves do Reino dos Céus,
enfeixando nas suas mãos todo o poder outorgado aos Apóstolos todos: “Tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Dar-te-ei as chaves do
Reino dos Céus. Tudo quanto ligares na Terra será ligado no Céu e tudo quanto
desligares na Terra será desligado no Céu” (Mt. 16, 16 ss.).
De maneira que a Igreja que tem o sucessor de Pedro e os
sucessores dos Apóstolos, esta é a Igreja de Cristo. Nela se acha o Reino de
Jesus Cristo. Ora, esta Igreja, única no mundo, que apresenta no Papa o
sucessor de São Pedro e nos seus Bispos os sucessores dos Apóstolos, é a Igreja
Católica, Apostólica, Romana. É fazendo parte dela, e vivendo segundo sua
doutrina, que pertencemos ao Reino de Cristo, que nos mostramos fiéis vassalos
do Rei da Glória, que nos encaminhamos para o Reino do Céu, para a
bem-aventurança eterna.
Buscai, amados filhos, em outras confissões, que usurpam
o título de cristãs, todas elas têm uma data de nascimento posterior ao Divino
Mestre. Somente a Igreja Católica Romana sobe, em sua origem, até a época de
Jesus Cristo. Porque somente Ela é verdadeiramente apostólica, ou seja, vem em
linha reta dos Apóstolos. É a Igreja de Cristo.
II – REALEZA PRECIPUAMENTE ESPIRITUAL
Jesus é, pois, Rei no sentido próprio do termo. Sua
soberania exerce-a Ele na terra mediante sua Igreja, seu Corpo Místico,
sociedade visível hierárquica, dotada de todos os poderes para levar os homens
ao fim para o qual foram criados: dar glória a Deus e salvar a alma. De maneira
que fazer parte da Igreja de Cristo, e viver como súdito dócil e obediente do
Rei dos reis, Jesus Cristo, é condição de bem-aventurança eterna.
Já essas considerações dizem que o Reino de Jesus Cristo
é espiritual - “praecipuo quodam modo”, de modo especial - diz
Pio XI em sua Encíclica - é espiritual, porque versa sobre assuntos
relacionados com a vida espiritual, a que transcende os limites da vida
terrena, o culto divino e a santificação das almas.
Foi, aliás, o que atestou o próprio Salvador no tribunal
de Pilatos. À pergunta do Procônsul, “És tu Rei?” - respondeu
Jesus afirmativamente: “Tu dizes, eu o sou” (Jo. 18, 37).
Pouco antes já explicara ao Magistrado romano a natureza especial de seu reinado:“Meu
Reino não é deste mundo. Se fora deste mundo, meus ministros, sem a
menor dúvida, lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Como vês, meu
reino não é daqui” (Jo. 18, 36); ou seja, não cuida dos negócios da
terra que se circunscrevem a este mundo. E no versículo seguinte Jesus é mais
explícito, relacionando Seu Reino com o império da Verdade: “Eu para
isto nasci, para isto vim ao mundo, para dar testemunho da Verdade. Todo o que
é da verdade ouve a minha voz”.
Embora, pois, a Jesus, na sua Humanidade, em virtude da
união hipostática, pertença todo o poder, mesmo na ordem civil, não obstante,
tranqüilizou o Salvador aos soberanos da terra: Seu reino não é das coisas
deste mundo. No mesmo sentido, repete a Igreja, todos os anos, pela Epifania, que “non
eripit mortalia quiregna dat coelestia” - “não usurpa os reinos mortais quem os
dá celestes”.
As duas potestades
Pelo exposto, vê-se que o Divino Mestre dispõe a
coexistência de duas potestades soberanas na terra: Uma que preside à vida
temporal, encarnada na pessoa de César. Poder que deve ser acatado, honrado,
obedecido, pois manda o Senhor “dar a César o que, é de César” (Mt.
22, 21). E a razão é que este poder é, ele também, outorgado por Deus Nosso
Senhor, como declarou o Divino Mestre ao representante do imperador romano,
quando lhe disse: “Nenhum poder terias sobre mim se não te fosse dado
do alto” (Jo. 19, 11). E o Apóstolo repete a lição: “Todo o
poder vem de Deus” (Rom. 8, 1). Devem, portanto, os cristãos aceitar o
poder civil e a ele submeter-se amorosamente, isto é, não pelo medo dos
castigos, mas como à autoridade delegada por Deus, pois o príncipe age como
ministro de Deus (Rom. 13, 4).
A outra potestade cuida dos interesses da alma que
relacionam o homem com Deus, e o encaminham à salvação eterna no Céu. Abarca os
deveres religiosos, o culto de Deus e a obediência as divinas ordenações. Poder
este próprio do Reino de Jesus Cristo, que, igualmente, deve ser respeitado e
obedecido com especial veneração, uma vez que seu menosprezo atinge o próprio
Deus: “quem vos rejeita, a Mim rejeita; e quem Me rejeita, rejeita
Aquele que me enviou''(Lc. 10, 16).
Todos os homens estão obrigados a obedecer, como
supremas, a duas potestades: nas coisas temporais, ao poder civil, ainda
aqueles que participam do governo religioso; nas coisas de Deus, ao poder
espiritual, mesmo as autoridades civis. Embora soberana, a autoridade do Estado
cede o passo à autoridade religiosa, pois “é preciso obedecer antes a
Deus que aos homens” (At. 5, 29). Em caso de conflito, portanto,
prevalecem os deveres religiosos, pois dizem respeito ao destino eterno das
almas.
Relação entre a Igreja e o Estado
De maneira que a estrutura natural do governo da
sociedade humana, na ordem histórica — isto é, em face da Revelação e constituição
da Santa Igreja para presidir aos assuntos espirituais — pede uma colaboração
mútua entre as duas potestades supremas, a Igreja e o Estado. A Igreja
reconhecerá o poder civil e levará os fiéis ao sincero acatamento da autoridade
do Estado, à qual dará colaboração leal, em tudo quanto redunde em benefício da
sociedade e não se oponha à lei de Deus. De seu lado, o Estado reconhecerá a
única Igreja a que confiou Deus o cuidado das coisas espirituais: o culto
divino e a salvação das almas. E, como a vida do homem na terra deve
orientar-se para a salvação eterna, deve o Estado não somente não se opor à
ação específica da Igreja, mas também auxiliá-la, positivamente, criando na
sociedade um ambiente que favoreça a prática da virtude, a piedade, a Fé, e
dificulte o pecado, a impiedade, e em geral, a proliferação do vício.
Leão XIII enuncia, com precisão, este pensamento: “Todos
nós, enquanto existimos, somos nascidos e educados em vista de um bem supremo e
final, ao qual é preciso referir tudo, colocado que está nos céus, além desta
frágil e curta existência. Já que disso é que depende a completa e perfeita
felicidade dos homens, é do interesse supremo de cada um alcançar esse fim.
Como, pois, a sociedade civil foi estabelecida para a utilidade de todos, deve,
favorecendo a prosperidade pública, prover ao bem dos cidadãos de modo não
somente a não opor qualquer obstáculo, mas a assegurar todas as facilidades
possíveis à procura e à aquisição desse bem supremo e imutável ao qual eles
próprios aspiram A primeira de todas consiste em fazer respeitar a santa a
inviolável observância da Religião, cujos deveres unem o homem a Deus. Quanto a
decidir qual religião é a verdadeira, isso não é difícil a quem quiser julgar
sobre esta matéria com prudência e sinceridade. Efetivamente, provas
numerosíssimas e evidentes, a verdade das profecias, a multidão dos milagres, a
prodigiosa celeridade da propagação da fé, mesmo entre os seus inimigos e a
despeito dos maiores obstáculos, o testemunho dos mártires e outros argumentos
semelhantes, provam claramente que a única religião verdadeira é a que o
próprio Jesus Cristo instituiu e deu à sua Igreja a missão de guardar e
propagar”(Enc. “Immortale Dei” de 1.º de novembro de
1885).
Já vedes, amados filhos, que tão somente num Estado
constituído de acordo com esta doutrina se pode efetivar plenamente a Realeza
de Jesus Cristo. Explica-se, pois, tenha ela sido inculcada constantemente pelo
Magistério Eclesiástico.
Padres da Igreja
Assim, São Gregório Nazianzeno (U 390) declara que
os magistrados imperiais estão submetidos à autoridade dos Bispos, como a carne
ao espírito e as coisas terrestres às celestes (Hom. XVII); São João Crisóstomo
(U 407) explana as relações entre a autoridade espiritual e a temporal,
mediante a comparação entre o sol e a lua (Hom. XV sobre 2 Cor.); Santo Ambrór
sio, na carta a Valentiniano contra Auxêncio, declara que “o imperador
está dentro da Igreja, e não acima da Igreja; com efeito, o bom imperador procura
o auxilio da Igreja, não o recusa”. Santo Agostinho, no cap. 24 do
livro V de sua obra “A Cidade de Deus”, enumera, entre as
obrigações do imperador, colocar seu poder ao serviço da Majestade divina, para
dilatar-lhe o reinado; e em carta ao Conde Bonifácio, encarregado do governo da
África, comentando a palavra do salmo, “servi ao Senhor, no
temor”, ensina que os reis servem ao Senhor proibindo e punindo as
transgressões aos mandamentos de Deus; e nisto difere o modo de servir a Deus
próprio dos reis e o de cada indivíduo: o indivíduo serve a Deus, vivendo
segundo sua fé, enquanto o rei o faz estabelecendo, com conveniente severidade,
leis mandando o que é justo e proibindo o que é contra a justiça. E depois de
dar vários exemplos do Antigo Testamento, nos quais salienta as ordens dos
soberanos contra as obras da impiedade, conclui: os reis servem ao Senhor, como
reis, fazendo para servi-Lo o que somente os reis podem fazer. Em meados do
século V, São Leão I, Papa (de 440-461) escreve ao imperador Leão de
Constantinopla, para urgir a manutenção dos decretos do Concilio de
Constantinopla contra as manobras dos eutiquianos (monofisitas) e lembra-lhe
que “o poder real lhe foi dado, não somente para o governo do mundo,
mas sobretudo, para a defesa da Igreja” (Ep. 156,3).
Os Romanos Pontífices e os imperadores
Foi mais especialmente nas relações com os imperadores
de Constantinopla que teve a Igreja oportunidade de reafirmar estes princípios
da Doutrina Católica. Assim, São Félix II, Papa, em agosto de 484, adverte ao
imperador Zenão que deve proteger a liberdade da Igreja, e que ele mesmo
imperador precisa se submeter ao sacerdócio nas causas de Deus, submissão
salutar mesmo para o Estado. São Gelásio, igualmente Papa, teve que repetir a
mesma lição sagrada ao imperador Anastásio I. Em 494, enviou-lhe o célebre
documento sobre as duas potestades existentes na Terra, e a harmonia que entre
elas deve manter-se: “Rogo à tua piedade que não julgues uma arrogância
o exercício dos encargos divinos: não se venha a pensar que um Príncipe Romano
leve à conta de injúria a verdade que lhe é proposta. Portanto, dois são,
imperador augusto, os principados que regem este mundo: a autoridade sagrada
dos Pontífices e o poder real. Entre eles, é tão mais séria a autoridade dos
sacerdotes, quanto até mesmo dos próprios reis devem eles dar contas no juízo
divino. Sabes, com efeito, filho clementíssimo, que, embora, pela tua
dignidade, presidas ao Gênero Humano, contudo, aos que estão à testa das coisas
divinas, devotamente te sujeitas, e deles esperas os meios da tua salvação...
Se, com efeito, no que respeita à ordem pública, sabendo que o império te foi
outorgado por disposição superior, até mesmo os Prelados religiosos obedecem às
tuas leis, para não parecerem seguir, nas coisas deste mundo, opiniões
rejeitadas; como não te convém obedecer devotamente àqueles que têm a
incumbência de administrar os venerandos mistérios?” (Carta ao
Imperador Anastásio, em 492).
Por volta do ano 506, torna o Papa, desta vez, São
Símaco, a lembrar ao mesmo Imperador Anastásio a doutrina católica. Prevenindo
uma possível objeção de seu augusto correspondente, escreve o Pontífice:
— “Talvez digas: - está escrito: devemos estar sujeitos a toda
potestade”. Ao que contesta o Papa: “Nós acatamos as autoridades
humanas, enquanto não levantam contra Deus suas vontades. Aliás, se todo o
poder vem de Deus, com maior razão vem aquele que preside às coisas divinas.
Serve a Deus em nós, e nós serviremos a Deus em ti”.
Mais tarde, é a vez de São Nicolau I (Papa de 858 a 867)
despertar a memória do imperador Miguel III, sobre os dois poderes supremos a
que estão os homens sujeitos neste mundo e à subordinação, nas coisas
espirituais do império ao sacerdócio, como à dos ministros sagrados ao império
nas coisas de ordem temporal (Ep. de 28-9-865,“Proposueramos quidem”).
Na Idade Média
Ao se constituírem as novas nações européias, como
conseqüência do esfacelamento do Império Romano, continuou a Igreja a inculcar
sua doutrina sobre as obrigações do Estado em matéria religiosa.
Já no século VII, Santo Isidoro de Sevilha (t636)
reconhecia que os reis têm plenitude de governo nas coisas seculares, mas não
podem descurar seus deveres com respeito a Deus, nem sua deferência à
Igreja, “quam a Christo tuendam susceperunt” - “cuja defesa receberam
de Cristo” (Sent. III, 51). O pensamento do
Arcebispo de Sevilha, ao lado de análogo de Santo Agostinho, reaparece nos
mestres eclesiásticos dos séculos seguintes. Servem-se eles de várias imagens
para explanar o ensinamento tradicional da Igreja. Alguns, a exemplo de São
Bernardo, falam de duas espadas, o gládio do espírito manejado pela Igreja e
que atende às coisas da alma e o gládio temporal a ser empregado em benefício
da Igreja. Ora é a união íntima entre o corpo e a alma que serve de
símile para ilustrar a harmonia e mútua dependência existente entre as duas
autoridades supremas que orientam os homens à plenitude da vida terrena
subordinada à vida eterna, como o faz o Papa Inocêncio III. Ora, como Graciano,
comparam as relações entre a Igreja e o Estado às que vigem entre o sol e a
lua. Como este satélite da terra se beneficia da luz do sol, a fim de que por
seu turno, ser benéfico à terra, assim, guiado pela Igreja é que o Estado
atende à sua finalidade própria que é tornar felizes seus súditos.
Nas relações políticas entre a Igreja e os vários
soberanos é esta doutrina tradicional que decorre dos atos do poder
eclesiástico. Assim, o Papa Urbano II escreve a Afonso VI de Espanha: “Duas
dignidades, ó rei Afonso, governam principalmente este mundo: a dos sacerdotes
e a dos reis; contudo, a dignidade sacerdotal, filho caríssimo, avantaja-se
tanto à dignidade regia que dos próprios reis temos nós que dar conta exata.ao
Rei de todos” (ML. 151, 289 -- apud Villoslada, Hist.
de Ia Igl. II, Ed. Med. 2.a 409).
Santo Tomás de Aquino enuncia e justifica tanto na Suma
Teológica, como especialmente no Tratado sobre o governo civil, escrito para o
Rei de Chipre, o ensinamento comum da Igreja sobre este assunto. Partindo do
princípio que o fim da sociedade não pode opor-se ao fim de cada um dos seus
membros, e como o destino último destes é o gozo de Deus, deverá o governo da
coisa pública cuidar também que os homens reunidos em sociedade alcancem,
mediante a vida virtuosa, aquela fruição divina (De Regimine Principum, L.
I, c. 14). “Porém - continua Santo Tomás - como guiar
ou conduzira este fim não corresponde ao governo humano, e sim ao divino... e
sendo distintas as coisas terrenas das espirituais, o reinado sobre estas não
se concedeu aos reis da Terra e sim aos sacerdotes, e principalmente ao Sumo
Sacerdote, sucessor de São Pedro e Vigário de Cristo, o Romano Pontífice, ao
qual devem estar sujeitos todos os reis cristãos. (...)” (Idem,
ibidem) E, no capítulo seguinte, acrescenta o Doutor Angélico: “(...)
pertence, pois, ao ofício do Rei cuidar por todos os meios convenientes que os
súditos vivam segundo a virtude para que alcancem a celestial bem-aventurança,
ordenando o que a ela conduza, e tratando de impedir ou dificultar quanto
desvia do último fim” (Idem, L. I. c. 15).
A civilização cristã
Assim, como verdadeira pedagoga do Gênero Humano, conduz
a Igreja a sociedade àquela situação ideal de equilíbrio e bem estar da
convivência social, graças à natural subordinação de toda a atividade terrena
ao fim último, no qual atinge a perfeição a felicidade a que aspira a natureza
racional. Leão XIII recorda que tal foi a condição da sociedade na Idade Média.
Escreve, com efeito, na Encíclica “Immortale Dei” de 1.º-11-1885: “Tempo
houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados... Então o
sacerdócio e o império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela
permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu
frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e
subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos
adversários poderá corromper ou obscurecer”.
Realizava-se nessa época, o que Yves de Chartres
considerava lei imprescindível nas relações entre a Igreja e a sociedade
civil: “Quando o império e o sacerdócio vivem em boa harmonia, o mundo
é bem governado — escrevia ele a Pascoal II (Papa de 1099 a 1118)
-, a Igreja é florescente e fecunda. Mas, quando a discórdia se
interpõe entre eles, não somente as pequenas coisas não crescem, mas as
próprias grandes deperecem miseravelmente” (Ep. 238).
III – A APOSTASIA DO DIREITO NOVO
Infelizmente, amados filhos, os tempos modernos
registram a ruptura da perfeita harmonia entre o sacerdócio e o império,
enaltecida por Leão XIII, como fonte de tantos benefícios para a convivência
humana.
Foram, primeiro, os soberanos cristãos que mal toleraram
a autonomia do Papa. Seguiu-se a dissolução da unidade religiosa do Ocidente,
para chegar-se ao que o citado Pontífice chama de direito novo do
século XVIII. Neste, em nome da igualdade e dignidade comuns a todos os homens,
rejeita-se qualquer autoridade, cuja origem não seja a mesma vontade
humana. “Segue-se — explana Leão XIII - que o Estado
não se julga vinculado a nenhuma obrigação para com Deus, não professa
oficialmente nenhuma religião... deve apenas a todas atribuir igualdade de
direito civil, com o único fim de impedi-las de perturbar a ordem pública”
(“Immortale Dei”).
Um pouco de reflexão, amados filhos, sobre semelhante
teoria, mostra como, numa ordem político-social assim concebida, desaparece a
realeza de Jesus Cristo, e se dificulta enormemente a salvação das almas. Pois,
uma sociedade assim estruturada, pura e simplesmente, não reconhece a soberania
de Deus Nosso Senhor. Como poderá dizer-se ela cristã, se representantes
legítimos da mesma, ainda que individualmente, se professem católicos e
piedosos cumpridores de seus deveres religiosos, como pessoas públicas, não
podem reconhecer qual a Vontade de Deus expressa na sua verdadeira Igreja?
Cremos, amados filhos, que não seja preciso salientar que, dentro de uma
ordenação jurídica como essa, a salvação e santificação das almas, longe de ser
auxiliada, encontra, ao invés, o maior obstáculo: falta-lhes o ambiente
propício que lhes daria uma legislação patentemente preocupada com os direitos
de Deus.
O Estado leigo, ideal das forças secretas
Aliás, e mesmo Leão XIII, na Encíclica “Humanum
Genus”, de 20-4-1884, denuncia o Estado leigo, rigorosamente neutro em
matéria religiosa, como o meio considerado apto pelas forças secretas para
aniquilar e “destruir toda disciplina religiosa e social” cristãs.
Com semelhante fim, inculcam que “nas diversas formas religiosas, não
há razão alguma de se preferir uma à outra, pois todas devem ser postas em pé
de igualdade”. Adverte o Papa que “semelhante principio basta
para arruinar todas as religiões, e particularmente a Religião católica,
porquanto sendo a única verdadeira, não pode ela, sem sofrer a última das
injúrias e das injustiças, tolerar lhe sejam igualadas as outras religiões “.
Corolário lógico de semelhante princípio é o laicismo do
Estado, “o grande erro do tempo presente”, que consiste em
relegar para a categoria das coisas indiferentes o cuidado da Religião.
Por isso, dizíamos, amados filhos, que em um regime
político-social assim concebido é impossível à Igreja realizar plenamente sua
missão de instaurar na terra o Reino de Jesus Cristo.
Inversão de valores
Digno de registro é, outrossim, amados filhos, que no
Direito Novo, inverte-se a posição social da Religião. De guia e ordenadora dos
atos humanos, passa a uma das muitas manifestações da alma individual, sujeita,
como as demais, às restrições impostas pela ordem pública. Com efeito, segundo
o magistério tradicional, de acordo, aliás, com o bom senso, o Estado, que deve
cuidar dos bens de ordem temporal, subordina-se, nas suas atividades, ao fim
último dos cidadãos, nada estabelecendo que dificulte a consecução deste último
fim, antes auxiliando o conhecimento da verdadeira Religião e a prática da
virtude. Na nova concepção, é a Igreja que se subordina ao Estado, porquanto é
Ela que deve, nas suas atividades, abster-se de tudo quanto o Estado julgue
contrário à ordem pública. — Que excelência e que soberania de Deus tornaria a
Igreja presente, neste mundo, quando é Ela mesma aviltada a mero interesse
particular, que o Estado alarga ou restringe, segundo melhor lhe parecer? — Em
semelhante concepção, não se vê como censurar um governo comunista, quando, por
exemplo, em nome da ordem pública, condena um sacerdote porque batiza uma
criança, ainda que seja com o consentimento dos pais.
Ordem pública objetiva
E se alguém vos objetar, amados filhos, que não se trata
de qualquer ordem pública, arbitrariamente suposta, mas da única ordem pública
verdadeira, daquela que é objetiva, que constitui indiscutivelmente o bem
comum, e por isso é defendida contra os abusos da autoridade, quando alguém vos
opuser esse sofisma, ser-vos-á fácil responder que, em semelhante hipótese, já
se abandona o direito novo. Convém acentuar, a propósito, que
sem a aceitação de uma moral objetiva e uma noção exata de bem que nos dá a
Moral, não se concebe ordem pública objetiva, sendo impossível entender-se o
bem comum. Ora, abstraindo-se da verdadeira Religião, também não se concebe uma
reta moral objetiva. Apelando-se, portanto, para a ordem pública, para o bem
comum contra os abusos da autoridade, abandona-se, por isso mesmo, o direito
novo que não reconhece norma superior ao homem, uma vez que declara
que a vontade humana é a fonte de todo direito.
Bem comum, ordem pública objetiva, são termos que só se
entendem relacionados com a concepção de Moral superior ao homem, que serve de
norma para os atos da criatura racional. Semelhante Moral objetiva termina
obrigando o ser humano a cultuar a Deus, de acordo com a Vontade Soberana deste
Senhor Altíssimo. Ou seja, obriga o homem a professar a Verdadeira Religião.
Muito a propósito, ponderava São Pio X contra“Le Sillon” movimento
leigo visando o apostolado de aproximação com todas as religiões:“Não há
verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira moral sem verdadeira
religião” (Carta Apostólica “Notre charge apostolique” de
25-8-1910).
As meias verdades
A citação da Carta Apostólica de São Pio X sobre “Le
Sillon”, leva-nos a advertir nossos amados filhos, contra a maneira
como a heterodoxia se aninha em nosso meio: aplicamos à Fé uma norma de agir
própria das virtudes morais.
Há, com efeito, uma prudência no agir que pede certa
indulgência, quando se tratar com homens portadores de uma natureza decaída, e
tem por fim evitar que se extinga uma chama ainda bruxuleante. “Se for
necessário cortar feridas, apalpai-as antes com mão ligeira” dizia São
Gregório Magno (cit. por São Pio X na Enc. “Iucunda sane”).
Transpor, porém, para o campo dos princípios semelhante
prudência é o que pode haver de mais desastroso. “A verdade, afirmava
o mesmo São Pio X, é una e indivisível, eternamente a mesma, e não se
submete aos caprichos dos tempos” (Enc. “Iucunda sane”, 1904).
Por isso ela é intransigente, e como tal, perece com divisões e amortecimentos.
De onde não lhe ser aplicável a condescendência com que a virtude moral suporta
algum ajustamento às diversas situações, paciência prudencial que sintetiza o
aforismo já consignado por Cícero: “summun jus summa injuria” (De
Of. I, 10). Pois a ordem moral das ações, sem sacrifício das normas reguladoras
do comportamento humano, leva em conta as deficiências humanas, à imitação da
paciência divina que dissimula os pecados dos homens em vista de sua penitência
e conversão (cfr. Sb. 11,23)..
A verdade não está neste campo do agir. Ela é da ordem
do ser, do que é ou não é. Compreende-se um ato humano inacabado; não se
concebe uma verdade inacabada, porquanto a idéia verdadeira corresponde a algum
ser ao qual se reporta. Se há adequação entre o conceito e a realidade, há
verdade: do contrário, o conceito não é inacabado. E simplesmente falso.
Uma condescendência com a fragilidade humana que
transponha o princípio prudencial do agir para a ordem do ser e da verdade,
através de meios termos que não são certos, mas que não aparecem abertamente
errados, uma espécie de meia verdade, mina e destrói a Fé na mente dos fiéis.
Autores de semelhante catástrofe são aqueles que, ao surgirem sistemas falsos,
procuram uma acomodação, um compromisso com tais ideologias, através de
movimentos chamados apostólicos, mas suficientemente vagos e indecisos para não
ferirem a suscetibilidade dos que estão de fora do grêmio da Igreja. Agem como
quinta-colunas no seio dos fiéis, solapando-lhes o edifício da Fé.
Concordância das religiões
Semelhante maneira de proceder teria sua justificação
doutrinária num princípio que vemos proclamado no século XVI pelo célebre
Erasmo de Rotterdam: “Todo homem possui a teologia verdadeira”. No
bojo dessa sentença está a afirmação de que, em última análise, há uma
concordância religiosa profunda entre todos os homens, apesar de suas
divergências doutrinárias. Pois somente assim se compreenderia que “todo
homem possuía teologia verdadeira”. Como conseqüência, não haveria
motivo para conflito entre religiões opostas, porquanto só na aparência seriam
opostas. Não passariam de manifestações diversas da mesma teologia verdadeira
que todo homem possui. Sondando mais a fundo o pensamento religioso, à primeira
vista divergente dos demais, encontraríamos uma identidade única na base das
diferenças. Seguir-se-ia que a melhor maneira de agir com novas teorias religiosas,
com crenças não católicas, seria evitar colisões, polêmicas, acirramento de
posições, e manter-se o fiel num campo eqüidistante entre os vários credos, uma
vez que todo o homem acha sua unidade na teologia verdadeira de que é
possuidor. Por debaixo das várias profissões religiosas há uma concordância, um
fundo comum. Em outras palavras, não há propriamente erros. Há distorções.
Essa atitude mental, generalizada pela difusão do livre
exame dos pseudo-reformadores protestantes, preparou os espíritos para o
compromisso com a apostasia, quando apareceu o direito novo, com
o surto do liberalismo suscitado pelos filósofos do século XVIII.
Estado vitalmente cristão
Conheceis, de fato, amados filhos, a posição que, nesta
matéria, assumiram os homens do jornal francês do século passado, “L'Avenir”, Lamennais,
Lacordaire, Montalembert. Posição que, apesar das censuras oficiais de que foi
objeto por parte da Santa Igreja, reaparece no movimento social “Le
Sillon”, já citado, e na famosa concepção de certos filósofos
católicos, preconizando uma sociedade vitalmente cristã que floresceria num
Estado oficial e legitimamente leigo.
De acordo com o pensamento de tais autores, a sociedade
teria evoluído de um Estado sacral da Idade Média, para o Estado leigo moderno.
Evolução histórica, natural, que teria mesmo marcado um aprofundamento
doutrinário. Pois, nesta última fase, manter-se-ia melhor a autonomia das duas
potestades, a espiritual e a temporal, a religiosa e a civil, a Igreja e o
Estado. Melhor compreendendo os limites de sua ação e poder, permaneceria o
Estado inteiramente alheio ao problema religioso, contentando-se em dar à
Igreja - como aos cidadãos da qual são membros e às seitas religiosas
existentes, ou futuramente introduzidas entre o povo — plena liberdade civil
para que realize sua obra, mediante ação, de caráter mais bem privado, nas
almas dos indivíduos e no seio das famílias. O Estado não seria cristão; mas
também não seria opressor. Dentro deste quadro jurídico, a Igreja, com sua ação
apostólica, criaria uma sociedade vitalmente cristã num Estado autônomo e sem
pressões religiosas, campo no qual é, de modo absoluto, incompetente. Ainda de
acordo com esta opinião, tal Estado estaria ajustado aos tempos atuais em que
há, entre os povos, e mesmo dentro da mesma nação, um pluralismo de crenças.
Por outro lado, esse Estado atenderia melhor à dignidade do homem e à Revelação
divina, pois uma e outra pediriam livre determinação da criatura na eleição de
seu credo religioso.
Seria esta a maneira de superar, no plano dos
princípios, e portanto radicalmente, as incompreensões entre a Igreja e o
Estado, registradas ao longo da História.
Desconhecimento do Direito Natural e da
Doutrina católica
Quão distante esteja da razão natural e da Revelação
cristã tal maneira de entender a posição religiosa do Estado, quão nociva seja
ela à missão da Igreja de restaurar todas as coisas em Jesus Cristo, evidencia,
além das reflexões de bom senso, toda a Tradição do Magistério Eclesiástico.
Este, longe de aceitar no problema do Estado em face da Religião uma deflexão
da doutrina patrística, à luz da evolução histórica, empenhou-se em afirmar o
ensinamento de sempre, sublinhando os males incalculáveis e inevitáveis
decorrentes da recusa formal ao reconhecimento público dos direitos de Deus
sobre o Estado e a sociedade.
IV – A VERDADEIRA DOUTRINA DA IGREJA
SOBRE A MATÉRIA
Com efeito, a Igreja jamais aceitou que, por princípio,
o Estado deva ser laico, ou seja, neutro em matéria religiosa. O que é fácil de
perceber-se, percorrendo a História da Igreja desde os fins da Idade Média.
Com efeito, o que afirmamos está contido na definição de
Bonifácio VIII (Papa de 1294 a 1303), segundo a qual, para a salvação é
necessário que toda criatura se submeta ao Romano Pontífice (Bula “Unam
Sanctam”, de 18 de novembro de 1302). Contem-se, mais ainda, na
ininterrupta condenação do indiferentismo religioso, apontado como a causa da
apostasia das nações, róis, o indiferentismo religioso tem um nexo necessário
com a proposição de que, por princípio o Estado deve ser leigo. Ora, essa
decorrência lógica do ateísmo oficial consagrado no Estado leigo, que é o
indiferentismo religioso, denunciam-na os Sumos Pontífices, especialmente desde
a Revolução Francesa, como o maior obstáculo à plena realização do Reinado de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
De Pio VI a Gregório XVI
Pio VI, em sua primeira Encíclica, “Inscrutabile
Divinae Sapientiae Consilium”, no Natal de 1775, Leão XII na
Encíclica “Ubi primum “, de 5 de maio de 1824, Pio VIII (Papa
de 1829--1830), na “Traditi”, única Encíclica escrita no
início de seu efêmero pontificado de 20 meses — todos como Vigários de Cristo
na terra, zelosos pela glória de Deus e salvação das almas, angustiados -
unanimemente apontam o indiferentismo religioso como a causa dos males que
afligem a sociedade e impedem a ação da Igreja.
Pio VII, que governou a Igreja no período dificílimo da
hegemonia napoleônica (1800--1823), não deixou de censurar a igualdade de
cultos visada por Bonaparte: “Sob a igual proteção de todos os cultos
— advertia o Papa -esconde-se e disfarça-se a mais perigosa
perseguição, a mais astuciosa que seja possível imaginar contra a Igreja de
Jesus Cristo, e, infelizmente, a mais bem combinada para lançar nEla a confusão
e mesmo para destruí-lA, se fosse possível às forças e astúcias do inferno
prevalecer contra Ela”. — Com a restauração dos Bourbons, Pio VII
lamentou posição análoga tomada pela Carta Constitucional de Luís XVIII,
favorável também ela à liberdade de todos os cultos.
Gregório XVI já teve que reprimir esse “delírio”— como
ele denomina o indiferentismo” religioso e a liberdade de todos os cultos no
seio da Igreja — pois o mesmo era professado, como vimos, por eclesiásticos e
leigos de influência, e, com tamanha cegueira, que eles não duvidavam em
apresentá-lo como medida de grande proveito para a causa de Religião
(Encíclica “Mirari Vos”, de 15-8-1832).
A Encíclica “Quanta cura” e o “Syllabus”
Apesar de tão autorizados esclarecimentos e condenações,
amados filhos, avolumou-se a avalanche das idéias novas, crescendo as
ameaças “à causa da Igreja, à salvação das almas e ao bem da própria
sociedade humana”. Retoma, por isso, Pio IX a tradição magisterial de
seus predecessores, para, repetidamente, condenar de novo, tais desvarios da
mente humana em “várias Encíclicas, alocuções consistoriais e outras
Cartas Apostólicas”. No entanto, a importância da matéria para a
missão da Igreja era tão grande que o Papa julgou de seu munus de
Vigário de Cristo emitir um documento especial e mais solene do Magistério
pontifício, no qual tornasse patente a oposição visceral entre as novas
concepções naturalistas do Estado, da cultura e da civilização e a doutrina
católica.
Mandou, assim, compor um elenco reunindo todos esses
erros em proposições que os exprimissem de modo insofismável, e, ao mesmo tem-r,
mostrassem o nexo lógico que há entre eles. o ato do Magistério papal conhecido
com o nome de “Syllabus” e que Pio IX encaminhou aos Bispos do
mundo inteiro com a Encíclica “Quanta Cura”, de 8-12-1864.
Proscreve aí o Pontífice a tese do laicismo do Estado,
porque impede a ação que, por mandato divino, compete à Igreja realizar: “Estas
perversas opiniões — escreve Pio IX - são especialmente para
detestar, porque visam suprimir a virtude salutar que a Igreja Católica, por
instituição e mandato de seu Divino Autor, deve livremente, até a consumação
dos séculos, infundir não somente nos indivíduos, como também nas nações, nos
povos e nos governantes. Como corolário, também colimam tais opiniões, afastar
a harmonia e concórdia existente entre o Sacerdócio e o Império, que foi sempre
fecunda em beneficio tanto da vida espiritual, como da civil”. Pio IX
chama, em conseqüência, de ousada impiedade o empenho daqueles que, de acordo
com o princípio ímpio e absurdo do naturalismo, ensinam que “a forma
mais perfeita do Estado e o progresso civil exigem imperiosamente que a
sociedade humana seja constituída e governada sem consideração alguma à
Religião, e como se esta não existira, ou ao menos, sem fazer diferença alguma
entre a verdadeira Religião e as religiões falsas. E — continua o Papa
— contradizendo a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos
Padres, não temem afirmar que “o melhor governo é aquele no qual não se
reconhece ao poder político a obrigação de reprimir com sanções penais os
violadores da Religião católica, salvo quando a tranqüilidade pública assim o
exija” (Encíclica “Quanta cura”, de 8-12-1864).
A Tradição em Leão XIII
Não obstante, amados filhos, toda a vigilância de Pio
IX, as idéias novas continuaram a difundir-se e a pôr em risco a existência da
Igreja, como sociedade de direito público, que realiza na terra o Reino de
Deus, com vistas à salvação eterna dos homens. Foi necessário, pois, ao
sucessor de Pio IX, reafirmar o ensinamento católico contra o naturalismo e o
laicismo do Estado, que solapavam o edifício do Reinado social de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Feriu Leão XIII a raiz do mal ao denunciar o princípio
básico sobre o qual se assenta o Estado leigo, indiferente em matéria
espiritual, inteiramente autônomo em face de qualquer confissão religiosa, a
saber, o princípio de que o poder vem do povo.
- “Todo poder vem de Deus” - ensina o
Espírito Santo pela boca do Apóstolo (Rom. 13,1). - “Todo poder vem do
povo”, dogmatiza a Revolução, o direito novo. Opõe este
Deus e o homem, como duas pessoas totalmente alheias, autônomas uma em relação
à outra. No homem, na vontade livre, soberana — afirma o direito
novo — deita raízes o Estado, como em sua fonte primeira, de maneira
que a sociedade política não aceita superior que não seja o povo, cuja vontade
se conhece através do sufrágio universal.
Aponta aí Leão XIII a causa da apostasia social. Pois
semelhante princípio justificaria um Estado agnóstico e mesmo ateu, muito
condescendente, se for neutro em questões de religião.
Nesse princípio, aliás, se consuma a rebeldia da
criatura, pois, é ele a expressão social do grito satânico “non
serviam” - “não servirei”; como é, outrossim, a expressão do ideal
ímpio sugerido pelo anjo das trevas a nossos primeiros pais: “sereis
como deuses, decidindo por vós mesmos o que é bom e o que é mau “(Gên.
3,5).
Eis que, para cortar o mal pela raiz, na Encíclica “Diuturnum
illud”, de 29 de junho de 1881, trata Leão XIII amplamente da origem
da autoridade política, para expor com exatidão a doutrina da Fé, corroborada
pela razão e frontalmente contrária ao ensinamento do direito
novo, e cuja aceitação é indispensável à Igreja para a plenitude de
sua missão na terra. - Recorda assim aquele Pontífice, apoiando-se em São Paulo
(Rom. 13,1) e São Pedro (1,11), que todo o poder vem de Deus. Portanto, quem
resiste ao poder, resiste a uma ordenação divina, o que poderá acarretar a
própria condenação; pois, os que governam, o fazem como ministros de Deus.
Este princípio primário da ordenação civil da sociedade
envolve as duas conseqüências indispensáveis para que no Estado se constitua
publicamente o Reino de Deus: não podem as autoridades civis realizar nada
contra a lei do Senhor. Pois, se governam como mandatários de Deus, têm seu
poder circunscrito pelos decretos dAquele por cuja vontade exercem o poder. Em
segundo lugar, entre as mais importantes obrigações do Poder Público está, em
virtude daquele princípio fundamental, o de prestar culto oficial a Deus, seu
Senhor Soberano. E não um culto qualquer, mas o culto desejado por Deus. Ou
seja, o culto verdadeiro, aquele que Lhe é dado pela Igreja Católica. “A
ninguém é licito — lembra o Papa — descurar seus deveres para
com Deus... assim também as sociedades não podem sem crime, comportar-se como
se Deus absolutamente não existisse, ou prescindir da Religião, como estranha e
inútil, ou admitir uma indiferentemente, segundo seu beneplácito. Honrando a
Deus, devem elas seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais, o
próprio Deus declarou querer ser honrado” (Encíclica “Immortale
Dei”).
A doutrina, pois, sobre a origem divina do Poder Público
desdobra-se logicamente nas duas concernentes à atitude religiosa do Estado: na
da harmonia entre a sociedade religiosa e a civil, a Igreja e o Estado; e na da
subordinação deste Aquela nos assuntos religiosos, espirituais. Estamos, como
vedes, amados filhos, na senda da mesma doutrina dos primeiros séculos da
Igreja, aplicando o princípio de São Vicente de Lerins, canonizado pelo
primeiro Concilio do Vaticano: “Na Igreja Católica deve-se ter o máximo
empenho em professar aquilo que em todo o lugar, sempre e por todos foi crido”
(“Commonitorium, 2,5”, in Kirch “Enchiridion Fontium Historiae
Ecclesiasticae Antiquae”, 742).
Assunto de tão grande importância, numa época em que se acentuava
a apostasia das nações, pedia atenção especial por parte da Santa Sé. Leão XIII
correspondeu a expectativa dos fiéis, através de várias Encíclicas,
especialmente a “Immortale Dei”, de 19 de novembro de 1885,
sobre a constituição cristã dos Estados. Ainda hoje, amados filhos, a leitura
desses documentos do Magistério papal é de grande oportunidade.
A tolerância do mal
No ensinamento político de Leão XIII, a doutrina
tradicional sobre os dois poderes, o espiritual e o temporal, a Igreja e o
Estado, é apresentada sob a forma de uma exposição sistemática e clara, que
dissipa qualquer dúvida a respeito. É natural que a ele se reportem os Papas
posteriores. Assim São Pio X, na Encíclica “Vehementer”, de 11
de fevereiro de 1906, sobre a ruptura das relações diplomáticas por parte do
governo francês com a Santa Sé, e também na Carta Apostólica “Notre
charge apost-lique”, de 25 de agosto de 1910, sobre os erros do já
citado movimento “Le Sillon”; Bento XV, em sua primeira
Encíclica “Ad Beatissimi”, de 1.º de novembro de 1914; Pio XI,
em vários documentos, mas especialmente naquele que acima comentamos, sobre a
Realeza de Jesus Cristo, onde conclama os fiéis a se unirem para debelar
a “peste de nossos tempos, o laicismo”; Pio XII, em sua
primeira Encíclica “Summi Pontificam”, de 20 de outubro de
1939, retoma o argumento da Encíclica “Quas primas” de Pio XI,
de 11-12-1925, para inculcar novamente, de modo insistente, a Realeza social de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
Pio XII, aliás, no seu longo pontificado, em várias
oportunidades abordou este assunto. Assim, na Alocução aos
participantes do V Congresso de Juristas Católicos Italianos, de
6-12-1953, fixa o mesmo princípio já estabelecido por Leão XIII: “O que
não corresponde à verdade e à norma moral não tem objetivamente direito nem à
existência, nem à propaganda, nem à ação”. O homem, de fato, foi
criado para a verdade e o bem. E, no esforço para chegar ao conhecimento da
verdade e à prática do bem, desfruta ele, em virtude de sua natureza social, do
direito de ser auxiliado pelo ambiente criado na sociedade pelo Estado. Ora, um
Estado que, por principio, permitisse ou favorecesse a profissão e a prática
pública de religiões falsas ou de princípios contrários à norma de moralidade,
de fato, mais dificultaria do que auxiliaria a plenitude da vida racional de
seus membros. Aliás, esta é a razão invocada por Pio XII para justificar sua
intolerância doutrinária: “É contrário à natureza... considerar coisas
indiferentes o erro e o mal Nem Deus poderia dar uma autorização positiva de
ensinar ou fazer o que fosse contrário à verdade religiosa ou ao bem moral,
porque estaria em contradição com sua absoluta veracidade e
santidade” (Alocução supra citada, de 6-12-1953). De si, portanto, o
Estado tem grave obrigação de favorecer a Religião verdadeira e de coibir os
cultos falsos. Porém, a aplicação deste princípio deve ser matizada. Em outras palavras,
está nos desígnios da Providência que o Poder Público pondere bem a situação de
fato do povo ou federação de povos, em matéria religiosa. E, segundo peçam as
circunstâncias, tolere ou não, ao lado da Religião verdadeira, cultos falsos ou
supersticiosos. Jamais poderá aprovar, positivamente, a existência e a
propaganda de tais cultos. Não obstante, podem as condições reais em que se
acha a sociedade serem tais, que um ato legislativo permitindo a existência e
mesmo a propaganda de determinadas crenças falsas constitua uma ação de duplo
efeito: o mau que é a permissão pública da superstição; e o bom — o
apaziguamento de conflitos que tornariam a vida comum impossível — ou outros
bens semelhantes. Pode, pois o Estado, nessas circunstâncias concretas, tolerar
a existência e a prática de religiões falsas, desde que o bem comum o exija, o
qual é a norma reguladora dos direitos e deveres do Estado.
Situação anormal
Como Leão XIII, também Pio XII deixa bem claro que
semelhante situação não é a ideal, no tocante às relações do Estado com a
Religião e o culto divino. Jamais, de modo algum, aceitam a tese do Estado
leigo, baseada na finalidade própria da sociedade civil, finalidade que seria
meramente temporal. São levados, no entanto, a justificar a tolerância do mal,
que é a neutralidade religiosa do Estado, desde que, e somente quando, um
imperativo de exigência social a tome imprescindível. Cauciona a tolerância, na
ordem prática, no modo de agir do próprio Deus Nosso Senhor, o Qual deseja que
o homem chegue à Fé, através de uma determinação livre de sua vontade. Maneira
de agir que ilustra-se com a parábola evangélica da cizânia, semeada pelo homem
inimigo no campo onde o pai de família plantara trigo. Embora a existência de
cizânia seja um mal, não obstante, permite o Senhor que ela cresça em meio do
trigo, pois o bem que seria sua erradicação poderia redundar em maior mal ou
impedir algum bem excelente. Na parábola, o perigo de se perder também o trigo.
Santo Tomás de Aquino elucida como possa a autoridade
civil tolerar alguns males na sociedade. “O regime humano —
ensina o Doutor Angélico — deriva do governo divino e deve imitá-lo.
Acontece que Deus, embora seja onipotente e sumamente bom, permite, não
obstante, que se dêem certos males no universo (que Ele poderia impedir), para
que se não venham a perder maiores bens com a ausência daqueles males, ou então
não venham a suceder males maiores ainda. Assim, no governo das coisas humanas,
licitamente os governantes podem tolerar algum mal para que não se impeçam
certos bens, ou então para que não ocorram coisas piores” (Suma
Teológica 2.2, q. 10, a. 11).
Todavia, é preciso não esquecer que a tolerância diz
respeito somente às coisas más (Santo Agostinho, En. in Sal. I, 20). Por isso,
jamais é um bem em si. Não pode, por conseguinte, arrogar-se direitos.
A Fé deve ser livre
Iria, de fato, contra toda a doutrina tradicional da
Igreja quem, com base na liberdade que deve caracterizar o ato de Fé, deduzisse
o direito do homem à liberdade de professar publicamente a religião que melhor
lhe aprouvesse, ou então uma religião falsa, porque está convencido de que é
verdadeira. Tal coisa jamais ensinou a Tradição apostólica. E não se pode,
amados filhos, invocar a parábola da cizânia e do trigo (Mt. 13, 24-30) em abono
de algum pseudo-direito do homem a professar religiões falsas, pois não há, no
ensino tradicional, uma interpretação dessa parábola em tal sentido. Santo
Agostinho, que durante algum tempo mostrou-se favorável a compromissos com os
hereges, não demorou em admitir que é justo sejam eles reprimidos. São João
Crisóstomo julga correta toda repressão da atividade pública dos hereges,
excetuando apenas a pena capital. Também Santo Tomás de Aquino acha natural
impedir a atividade religiosa dos hereges.
E, realmente, quando se diz que a Fé deve ser admitida
mediante um ato livre da vontade, em absoluto não se está dando foros de
cidadania ao erro. Uma vez que na adesão ao erro ou ao mal, não há nenhuma
perfeição, quer da inteligência quer da vontade. Há uma deficiência. De maneira
que o homem, como ser racional, tem o direito de aderir livremente à Verdade
revelada e de praticar livremente a virtude. Não lhe cabe o direito de deformar
sua inteligência pela aceitação do erro, ou sua vontade pela prática do vício.
O próprio Nosso Senhor afirma que aquele que peca não é livre, e sim escravo do
pecado. E Santo Tomás de Aquino explica: “A condição de escravo se dá
quando uma pessoa age não segundo sua natureza, mas sob a pressão de um outro.
Ora, o homem, de sua natureza, é racional. Quando, pois, procede de acordo com
a razão, age segundo sua natureza, levado por uma moção que lhe é própria. E
nisto consiste a liberdade. Quando, porém, peca, procede de maneira contrária à
razão, e é como se fosse movido por outro. Eis porque quem peca é escravo do
pecado” (Comentário sobre o Ev. de S. João, L. IV, c. VIII; ver também
Encíclica de Leão XIII, “Libertas praestantissimum”, de
20-6-1888).
Caso não tivesse o Estado a obrigação de patrocinar a
verdadeira Religião e de modo exclusivo, falharia ele substancialmente quanto a
sua finalidade. Esta, como é intuitivo, consiste em ministrar aos cidadãos os
meios para que possam eles chegar à conveniente perfeição da vida na terra,
subordinada, porém, ao seu fim último, que somente se alcança com a profissão e
prática da verdadeira Religião. Por isso, ensina Pio XII, que nem Deus pode dar
ao Estado o direito de, segundo seu alvedrio, ser indiferente em matéria
religiosa. Em resumo, a tolerância é sempre um mal, que pode ser admitido em circunstâncias
concretas, sempre que a consecução de um bem necessário ou superior o exija,
ainda que seja apenas o afastamento de uma condição que torne impossível ou
nociva a convivência em sociedade.
Com muito zelo, chama Gregório XVI de “sentença
absurda e errônea”, melhor, de “delírio” a liberdade
de consciência que permite a cada um praticar publicamente sua religião
(Encíclica “Mirari Vos”, de 15-8-1832). Diz bem Santo
Agostinho que “não há morte pior para a alma do que a liberdade do
erro” (Ep. 166). Não é porque o orgulho e a sensualidade conseguiram
impregnar a mentalidade contemporânea de um espírito de rebeldia, que tenta
sacudir qualquer jugo imposto pela Fé e a Moral, que vamos negar a verdade
ensinada pela reta razão e o Magistério eclesiástico em sucessão ininterrupta.
Liberdade e responsabilidade no ato de Fé
Encerremos este capítulo, amados filhos, com uma
derradeira consideração que sublinha a sabedoria com que age a Misericórdia de
Deus e, conseqüentemente, sua Igreja.
Quer Deus Nosso Senhor que o ato de Fé, pelo qual
ingressa o homem no Reino de Cristo, seja livre e meritório. Dá, para tanto, a
todos os homens, a graça necessária sem a qual seria impossível o ato
sobrenatural da Fé, digno da vida eterna. À vista de sua benevolência, de sua
graça, que não nega a ninguém, Nosso Senhor torna o ato de Fé obrigatório para
a salvação.
Na sua infinita misericórdia, entretanto, suporta nesta
terra o pecador, para que não morra eternamente, mas se converta e viva (Ez.
33, 11).
Constitui corolário dessas verdades da Religião Católica
não se poder impor ao homem, no foro interno da consciência, o ato de Fé. Pode
a infidelidade ser pecado e pecado grave. Não é lícito, contudo, forçar a
vontade do homem a não cometê-lo. É o indivíduo que, auxiliado pela graça,
livremente afastará horrorizado, semelhante impiedade de não atender à
Revelação Divina. Como conseqüência, nenhum poder humano pode forçar a pessoa a
aderir à Fé verdadeira. O uso da violência para obrigar à conversão foi sempre
condenado pela Igreja.
Daí encarar o Magistério a possibilidade de alguém,
temporária ou excepcionalmente, estar na ignorância invencível da verdadeira
Religião. Tal indivíduo merece respeito e acatamento, uma vez que sua
incredulidade é apenas material. Não deformou ele sua vontade vinculando-a
responsavelmente ao mal. Semelhante engano, porém, não lhe dá direito a
professar seu erro, pois, objetivamente, está no erro; e o erro“não tem
direito nem à existência, nem à propaganda, nem à ação” (Pio
XII, Alocução aos participantes do V Congresso de Juristas Católicos
Italianos, de 6-12-1953).
Recordamos convosco, amados filhos, a doutrina católica
sobre a Realeza de Jesus Cristo aqui na terra, porque o laicismo dos tempos
modernos facilmente a oblitera na mente dos fiéis, e sem uma convicção sólida
daquilo que devemos crer, nosso apostolado perde o ardor indispensável para que
seja eficaz. A debilidade do amor à verdade por parte dos bons é, em grande
parte, responsável pelo progresso da apostasia na sociedade de hoje.
O princípio que enunciamos, amados filhos, é válido,
embora nossa ação apostólica se restrinja ao meio em que vivemos e ao campo que
nos é facultado atingir, porquanto é sempre a mesma doutrina que fecunda todo o
apostolado, desde o plano mais modesto até o mais amplo e profundo.
V – RESUMO E CONSIDERAÇÕES PASTORAIS
Por isso, antes de ponderar as conseqüências pastorais
do ensinamento exposto, amados filhos, vamos resumi-lo para que se fixe melhor
em vossas mentes.
1. Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro,
foi, como Mediador entre o Céu e a terra e Redentor do Gênero Humano,
constituído pelo Padre Eterno Rei Universal, no sentido pleno da palavra. É
mediante a implantação de seu Reino de Verdade, Justiça e Paz, que se realiza
sua missão, orientada para a glória de Deus e a salvação das almas. Embora, de
direito, seja Jesus também Rei temporal, de fato, Ele se reservou apenas a
soberania sobre as coisas que relacionam o Homem com Deus e dizem respeito à salvação
eterna.
2. Como a implantação desse Reino na terra é a razão de
ser da Igreja de Cristo, a Igreja Católica, Apostólica, Romana, a Realeza de
Jesus Cristo, de si, pede que a sociedade política se constitua de acordo com a
única Igreja de Cristo.
3. Todavia, a realeza de Jesus Cristo não deve ser
imposta pela força, pela violência. Pois, é mediante um ato livre da vontade
que o homem adere à Fé e ingressa no Reino de Cristo. Esta condição - a saber,
que é pelo exercício de um ato livre que o homem entra no Reino de Cristo — não
cria para o erro ou o vício, direito algum à pacífica existência no Estado;
menos ainda à propaganda e à ação. Pois, feito para a Verdade e o Bem, nada há
no homem que lhe dê direito de impunemente aderir ao erro ou consentir no vício.
4. Se não cria direito, justifica, no entanto, a
tolerância, por parte do Estado, em relação às confissões religiosas falsas,
desde que circunstâncias concretas a peçam, em vista de um grande bem a obter,
ou de um mal que se deve evitar.
A tolerância de religiões falsas, bem como de certos
procedimentos contrários à norma de moralidade, é, pois, sempre um mal menor,
que por isso não pode ser considerada uma situação definitiva. Erraria quem
pretendesse ver alçada à categoria de princípio a condição de mistura de bem e
mal figurada na parábola da cizânia e do trigo. Pois, a parábola prediz um
fato, não estabelece um direito. Prediz o fato da situação dos bons no mundo
que, segundo os desígnios da Providência, terão sempre em torno, pessoas más
que, na explanação de Santo Agostinho, os exercitem na prática da virtude e os
firmem na Fé. Em absoluto, não pretende a parábola indicar o direito do erro ou
do mal à existência, como se, por princípio, a situação normal do Estado
comportasse ou exigisse a liberdade de existência e propaganda a todos os
credos religiosos.
5. Não se pode, aliás, eximir o Estado de seus deveres
para com a verdadeira Religião, a pretexto de que deve cuidar apenas das coisas
da terra; pois, ao tratar de seu fim específico, não deve nem pode o Estado
esquecer a subordinação dos bens terrenos ao destino último, ultraterreno dos
seus cidadãos. Só o fará convenientemente, se ele mesmo se subordinar à
verdadeira Religião que é a Católica, Apostólica, Romana, dotada de
características claramente manifestas. De maneira que, de modo geral, ninguém
pode escusar-se de não conhecê-la ou de não viver segundo seus mandamentos.
Nossos deveres ante a Realeza de Jesus
Cristo
A implantação do Reinado de Jesus Cristo na sociedade é
meta apostólica que incumbe a todos os fiéis. Deve, porém, ser propulsada
sempre de maneira ordeira é pacífica, à imitação de Jesus Cristo e dos
Apóstolos, que obedeceram e mandaram obedecer aos poderes públicos
constituídos, excetuando-se apenas os casos em que o poder impunha leis ou
ordenava algo contra a Vontade de Deus. Dos primeiros cristãos afirma Leão XIII
que “eram exemplares na lealdade aos imperadores e obedientes às leis
enquanto era licito. Entretanto, espalhavam um resplendor magnífico de
santidade, procurando outrossim ser úteis aos seus irmãos e atrair os demais á
Sabedoria de Cristo: dispostos, porém, sempre a retirar-se e a morrer
valentemente se não podiam reter as honras, dignidades e cargos públicos sem
faltar à consciência” (“Immortale Dei”).
Nossa conversão
A obrigação que diz respeito a cada um de nós,
caríssimos filhos, no sentido da implantação do Reinado de Jesus Cristo, começa
pela própria conversão. Antes de mais nada, é preciso que Jesus Cristo reine em
nosso ser, pela conformidade da própria vontade, dos atos e do proceder em
relação à Vontade Santíssima de Deus, expressa em Seus Mandamentos e na
orientação de Sua Santa Igreja, e, sobretudo, pela assimilação de seu espírito.
Semelhante vassalagem nos obriga a fugir das solicitações do mundo.
Foi assim que os primeiros cristãos reformaram
completamente a sociedade pagã, convertendo-a e construindo, sobre suas ruínas,
a cidade de Deus, a civilização cristã. Ouçamos Leão XIII: “Desse modo,
as instituições cristãs penetraram rapidamente não somente nas casas
particulares, senão também nas casernas, nos tribunais e na mesma corte
imperial... Até o ponto que, quando se deu liberdade de professar publicamente
o Evangelho, a Fé cristã apareceu não dando vagidos como uma criança de berço,
mas sim adulta e vigorosa, na maioria das cidades” (“ímmortale Dei”).
Nas famílias
A ação pessoal desdobra-se na família. Quando há, no
seio da família, a austeridade da vida cristã e o ambiente do lar se impregna
de Fé e convida à prática da virtude, sentem as pessoas maior facilidade de
vencer os aliciamentos para a impiedade e o vício, suscitados pelas paixões,
pelo demônio, pelo espírito do mundo.
Importa aqui, amados filhos, sublinhar a
responsabilidade enorme dos pais na formação católica dos filhos; pois de sua
vigilância e positiva ação educadora depende o espírito que irá animar mais
tarde todo o procedimento de sua prole. Sem uma ação decisiva dos pais, é
impossível implantar-se na sociedade o Reinado de Jesus Cristo. Acenemos,
amados filhos, neste ponto, à nefasta influência que desempenha no ambiente do
lar a televisão, as revistas e os livros maus ou simplesmente levianos.
Compreendeis, amados filhos, que boas famílias
relacionam-se em grupos sociais maiores, dos quais é formada a sociedade civil.
E eis como, por uma ação firme embora paciente, podemos nós contribuir para a
renovação do Estado, de modo a cristianizá-lo. Segundo predisse o Divino
Salvador, na parábola do fermento (Mt. 13, 33), é através de uma irradiação
contínua do bom odor de Cristo Jesus que o fervor dos fiéis reconquistará o
mundo para a vassalagem do Rei da glória.
Na vida pública
Eis a razão, pois, amados filhos, porque tece o demônio
insídias de todo gênero à integridade da família cristã, quer na sua
constituição, em seus deveres ou no teor normal de sua vida.
Vedes, portanto, que, embora de importância capital e
imprescindível, nosso empenho para que Jesus Cristo seja Senhor Soberano da
sociedade não pode limitar-se às ações particulares, pessoais ou em família.
Temos que agir, também na vida pública, tanto de modo positivo como para
impedir que as famílias sejam asfixiadas pelas desordens de toda espécie,
toleradas segundo a mal compreendida liberdade moderna.
Como adverte Leão XIII ao sublinhar esta obrigação dos
fiéis, a ação na vida pública há de se fazer de modo ordeiro e pacífico. Sem
provocar lutas de classes, sem excitar os espíritos contra a ordem
estabelecida. Mas, agindo, além do bom exemplo, arma absolutamente
indispensável, mediante todos os meios legais - escritos, manifestos,
representações coletivas, etc. - no sentido de impedir a aprovação de leis ou
costumes contrários à Fé e à Moral cristãs, como o divórcio, o aborto provocado
sob qualquer pretexto, a permissão da venda de anticoncepcionais, seu uso em
hospitais e maternidades, a educação sexual nas escolas, a licenciosidade
pública, a difusão da pornografia, a liberação de filmes injuriosos a Jesus
Cristo, ofensivos ao Dogma, desagregadores da família, etc.
Idêntica atividade se faça no sentido positivo, com o
fito de obter uma ordem pública inspirada no espírito cristão que prepara as
almas dos cidadãos a aderirem à verdadeira Fé em Jesus Cristo, como a proclama
sua Igreja, a Católica, Apostólica, Romana.
A Escola
Está dentro deste apostolado, amados filhos, e dos
direitos dos pais uma ação concertada contra o monopólio escolar que, a
pretexto de eficiência educacional, vai se delineando em nossa Pátria.
Primeiramente, porque, na situação real do povo
brasileiro, o ensino oficial será leigo. Ora, numa escola de ensino
oficialmente leigo, não é possível dar aos alunos uma formação católica. Esta
pede, com efeito, que todas as disciplinas sejam concebidas num todo harmônico,
de maneira que se integrem, animadas do mesmo espírito, o espírito de Nosso
Senhor Jesus Cristo, a Sabedoria de Deus, a cuja glória deve orientar-se toda
ciência. Dizia com razão o saudoso Carlos de Laet que o ensino leigo é por
essência faccioso. E dava o exemplo da caligrafia, matéria na aparência
indiferente, mas em cujo ensino o professor perdia necessariamente sua
neutralidade ao ter que explicar, por exemplo, porque Deus se escreve com letra
maiúscula.
E semelhante mal não é sanado com o ensino religioso nos
estabelecimentos oficiais. Antes de mais nada, porque a condição mais de favor
do ensino religioso em tais estabelecimentos, ou, em qualquer caso, sua
presença numa concepção que não o coloca no lugar que lhe cabe, já deforma o
desabrochar da mentalidade católica. Depois, como observa Pio XI, uma instrução
religiosa no ambiente de uma escola na qual, em outras disciplinas, ignora-se
ou trabalha-se contra a Religião, é absolutamente insuficiente para dar
formação católica a qualquer pessoa.
Aceitando, pois, a introdução do ensino religioso no
currículo das matérias escolares, como afirmação de um princípio — que a
educação não pode prescindir da Religião - devem os pais católicos cuidar
diligentemente da formação religiosa de seus filhos fora da escola, de tal
forma que esta corrija os males a que aludimos acima. E devem, de modo especial,
empenhar-se contra o monopólio escolar, para que sejam, deveras, em toda a
plenitude, reconhecidos e respeitados seus direitos a educação dos filhos,
pleiteando o favorecimento e o auxílio à escola particular, cujo controle podem
assumir, ou ao menos, em cujas atividades têm a possibilidade de influir.
É oportuno lembrar aqui as observações que fazia Pio XI
aos pais a propósito das escolas nazistas: “Os pais, conscientes e
conhecedores de sua missão educadora, têm, antes de ninguém, um direito
essencial à educação dos filhos que Deus lhes deu, segundo o espírito da
verdadeira Fé e coerente com seus princípios e prescrições. As leis e
disposições semelhantes que não levem em consideração a vontade dos pais em
matéria escolar, ou a tornem ineficaz com ameaças ou com violência, estão em
contradição com o direito natural e são intima e essencialmente imorais”.
“Nenhum poder terreno pode eximir-vos do vinculo de responsabilidade, imposto
por Deus, com relação a vossos filhos”. “Diante do Juiz supremo, ninguém em vosso
lugar poderá responder quando Ele vos dirigir esta pergunta: Onde estão os que
eu vos dei? Que cada um de vós possa responder: Não perdi nenhum dos que me
destes (Jo. 18, 9)”. (Encíclica “Mit brennender Sorge”, de
4-3-1937).
Afrouxamento da Fé
Quando fazemos convosco, amados filhos, estas
considerações, aperta-se-nos o coração diante da indiferença com que muitos
católicos encaram o problema da educação das novas gerações. Boa parte deles se
limita, quando muito, a buscar um colégio que tenha o rótulo de católico.
Dispensam informações mais exatas e se eximem de qualquer outra
responsabilidade no caso. De onde vem tamanha falta de Fé?
Em boa parte ela se origina do comodismo de quem foi
picado pelo liberalismo da civilização moderna, feita do gozo imoderado,
próprio da sociedade de consumo. Mas, também ela procede de uma desconfiança na
Graça, mais grave em certo sentido.
Na realidade, muitos de nós pensamos que a graça de Deus
se tornou insuficiente para vencer a malícia em que está hoje imerso o mundo.
Ainda que não se enuncie claramente, de fato julgamos que a apostasia da
sociedade e conseqüentemente dos Estados é tão profunda, que já não é mais
possível falar em Reinado social de Nosso Senhor. Seria preciso contentar-nos
com um modus vivendi, no qual procurássemos salvar o maior
número possível de almas, desistindo, porém, de propugnar, mesmo a longo prazo,
por um Estado católico. Daí a acomodação de muitos que fazem profissão de fé
católica acrescente paganização da sociedade. O naturalismo levou-os a confiar
em suas forças e a desconfiar da Graça. Cuidam eles que têm de realizar tudo e,
constatando sua incapacidade de vencer o monstro do laicismo, julgam que o
único caminho viável é o das concessões. O raciocínio que caberia a eles fazer
deveria ser outro. Sentindo de sua parte fraqueza e impossibilidade de vencer o
espírito moderno, deveriam tais pessoas retornar à Graça, certos da sua
onipotência contra todos os inimigos de Deus.
Por ocasião do 13? centenário da morte de São Gregório
Magno, destacou São Pio X que seu admirável predecessor salientou-se
precisamente porque desconheceu a prudência da carne, “quer na pregação
do Evangelho, quer nas obras admiráveis que realizou para aliviar as misérias
humanas”. “Ele se apegou — declara São Pio X - ao exemplo dos
Apóstolos que pregavam a Jesus Cristo crucificado, escândalo para os judeus e
loucura para os gentios. E isso — sublinha o Papa —, num tempo
em que o socorro da prudência humana parecia certamente oportuno; pois “os
espíritos não estavam de nenhum modo preparados para acolher a nova doutrina
que repugnava tão vivamente às paixões que por toda parte reinavam, e
chocava-se frontalmente com a brilhante civilização dos gregos e romanos” (Encíclica “Iucunda
sane” de 12 de março de 1904).
Religião nos limites humanos
Amados filhos. Esta desconfiança na eficácia da Graça e
excessiva confiança na própria capacidade, delineava-se já nos tempos do Divino
Mestre. Que outra coisa, de fato, indica a atitude dos discípulos do Salvador
que julgaram duras suas palavras e impossíveis de serem seguidas? “Durus est hic sermo et quis potest eum audire?” (Jo. 6, 61). Que pretendiam esses
discípulos senão uma mensagem cristã que eles, por si mesmos, seriam capazes de
executar? Que recusavam eles senão uma graça tão poderosa que os fizesse
superar suas próprias misérias?
No fundo, pois, tratava-se de encontrar um compromisso
entre a austeridade do Evangelho pregado por Jesus Cristo e as máximas do
mundo; uma religião, enfim, que “compreendesse” as condições humanas e se
“ajustasse” às suas fraquezas.
Entretanto, nem sempre tiveram esses discípulos
imitadores, em todas suas atitudes. Eles, não desejando alinhar-se segundo as
normas traçadas pelo Salvador, O abandonaram. No futuro, nem todos os que iriam
participar de seu orgulho e conseqüente desconfiança da Graça, os imitariam
nesse abandono claro. Muitos ficariam no seio da Igreja, para deformá-la e
criar uma Nova Igreja, mais próxima do século, mais acessível às paixões, e por
isso mesmo inautêntica, falsa. Assim apareceram as heresias.
Como nascem as heresias
Com efeito, segundo um processo normal da psicologia
humana, procura o homem uma razão que legitime seu modo de proceder. Por falta
de confiança na Graça e pelo entibiamento da Fé, acomoda-se a uma convivência
normal e pacífica com o erro e o mal existentes na sociedade, e busca um
princípio que caucione seu procedimento e lhe dê uma espécie de coerência entre
o que faz e o que pensa.
Tal fenômeno, que está na base das heresias do passado,
encontra-se também hoje em vários movimentos surgidos no seio da Igreja, na
aparência generosos, porquanto votados à conversão daqueles que estão do lado
de fora do redil de Cristo. Sua generosidade, porém, é comodista. Para aplainar
o caminho, recorrem a uma apresentação da moral e da doutrina reveladas menos
arestosa, se assim nos podemos exprimir, e, por isso, mais acessível aos
espíritos habituados a viver mais ou menos ao sabor das máximas do mundo. Na
realidade, tais movimentos tiram à Revelação a nitidez de seus Dogmas, e,
assim, a falseiam, pois, na palavra de Nosso Senhor, o sim deve
sersim, e o não deve ser não. O
que dilui tais precisões vem do maligno (cfr. Mt. 5, 37).
Imortificação
Esses movimentos são conhecidos, precisamente, pela ação
apostólica mediante o compromisso que atenua a austeridade tradicional. Com
isso, enfraquecem eles os preceitos da Moral, evitando a insistência sobre uma
vida habitualmente séria e austera, e permitindo-se liberdades que chocam as
almas, acostumadas com a imagem do fiel, dócil seguidor da Escritura e da
Tradição. Imagem feita de confiança, sem dúvida, mas também de santo e
reverente temor de Deus.
Mais pela maneira de proceder, do que propriamente por
ensinamentos claros, inculcam os referidos movimentos um cristianismo
no qual sejam consideradas inteiramente normais e sem importância
relevante, a leviandade de costumes e a liberdade de palavras, comuns no mundo
paganizado de hoje. Tivemos oportunidade de alertar-vos, amados filhos, contra
os “palavrões”, o nivelamento social, a vulgaridade de maneiras, a
irreverência no trato com Nosso Senhor, verificados nos ambientes criados pela
ideologia ou espírito oriundos da literatura cursilhista. Consta-nos que outros
movimentos semelhantes padecem dos mesmos defeitos. Seriam semelhantes
movimentos a ponte entre o Cristianismo e a vida ao sabor da sensualidade, a
capitulação diante das tendências más da natureza herdadas do pecado original.
Seria a importação de uma Igreja nova que, ao mesmo tempo, não confia na
onipotência da Graça — que pôde tombar e levantar um São Paulo — e avilta a
sublimidade da Religião de Cristo, para colocá-la ao nível das deficiências
humanas.
Autonomia
Uma segunda característica desses 'movimentos, ligada
esta ao orgulho — a outra tendência fundamental da natureza decaída — é o
espírito de independência com respeito à Tradição. Os corifeus dos mencionados
movimentos não ocultam sua pretensão a um cristianismo renovado; procuram,
porém, convencer seus semelhantes de que com segurança descobriram, enfim, o
fundo verdadeiro da mensagem cristã, que os exageros tradicionais teriam
ocultado. Por isso mesmo são contumazes. Pois eles é que têm o segredo da
aplicação da palavra do Evangelho aos tempos presentes.
Idêntica autonomia mantêm em face da Hierarquia.
Externamente, muito respeitosos, procuram — como era comum ouvir-se anos atrás
— uns assistentes eclesiásticos que os “compreendam”, isto é que aceitem sua
posição.
Como gente superiormente convencida de possuírem
mentalidade genuinamente cristã, nada respondem aos argumentos que, com base na
Sagrada Escritura e na Tradição, lhes são opostos. E... continuam aferrados a
suas idéias e a seu proselitismo. Como sentem que somente conservando ligação
com a Igreja são ouvidos, apelam para alguma aprovação eclesiástica, cuja
existência nem sempre provam, cujo teor, quando existente, cuidadosamente não
aprofundam. Alguns, como os chamados pentecostalistas “católicos”, vão mais
longe: confiam numa influência direta, e mais ou menos sensível, do “Espírito”,
sem interferência da Hierarquia.
Todos esses movimentos, sem julgar as intenções de seus
fautores, inspiram-se, de fato, na mentalidade modernista, cujas normas de ação
eram: permanecer dentro da Igreja, para renová--1A em seu íntimo; na Igreja,
superar os limites da Hierarquia para atingir a essência do Cristianismo,
existente no subconsciente de todo homem. Como tática, empregavam o silêncio
sobre as publicações e os argumentos que lhes eram contrários, e tentavam
desacreditar seus opositores (Cfr. Fogazzaro, “Il Santo”, e
São Pio X, Encíclica “Pascendi dominici gregis”', de
8-9-1907).
O antídoto: viver de Fé
Vedes, amados filhos, que, com semelhante mentalidade, é
inadmissível cogitar-se na implantação da Realeza do Divino Crucificado. Esta
se volta contra o ambiente social, causado pelo predomínio das paixões
suscitadas pelo pecado original. A referida mentalidade está toda empenhada em
um compromisso que resguarde a Fé, sem romper com as “conquistas” do homem, em
virtude da autonomia que indiretamente lhe teria proporcionado a ausência da
Graça, quando o pecado o reduziu a suas condições naturais.
Como defesa contra a assimilação de tão nefasto
espírito, irradiado por movimentos deste tipo, é mister, amados filhos, que
aviveis o espírito de Fé.
Fixando, antes de mais nada, nas vossas inteligências o
conceito exato da Fé indispensável para a salvação, aquela sem a qual, diz São
Paulo, “é impossível agradar a Deus” (Heb. 11,6). Esta Fé é
uma virtude sobrenatural, infundida por Deus, cujo objeto são as verdades
reveladas. Assim, a conceitua oi? Concilio do Vaticano: “Esta Fé que é
o inicio da salvação humana, a Igreja a define como uma virtude sobrenatural,
pela qual, sob o impulso e o auxílio da graça de Deus, cremos que é verdade o
que Ele revelou, não em virtude da evidência intrínseca percebida pela luz da
razão natural, mas em virtude da autoridade de Deus que revela e que não pode
nem enganar-se, nem enganar” (Ses. EI, cap. III).
Assim, a condição fundamental, para pertencer ao redil
de Cristo é aceitar as verdades reveladas, no seu conceito exato, como no-las
propõe a Santa Igreja. Pensar de outra maneira, reduzir a Fé a um ato de
confiança ou a mero sentimento é resvalar para a heresia. De maneira que todo
movimento, associação ou núcleo de fiéis que se pretende católico,
especialmente se ele estiver dirigido ao apostolado, à irradiação do espírito
de Jesus Cristo no ambiente social em que se encontra, deve, acima de tudo, ter
em vista dar uma adesão firme e meticulosa à Doutrina Revelada; e, além disso,
aceitar com humildade e gratidão as verdades que a Bondade Divina se dignou
manifestar ao homem, como as expõe a Santa Igreja, única Mestra infalível a
quem confiou Deus Nosso Senhor o depósito da sua Revelação.
Sem uma dócil submissão da inteligência a essa verdade
revelada, cuidadosa antes de tudo em não deformar de modo algum o que Deus se
dignou manifestar através de sua Igreja, não há Catolicismo autêntico. Há
apenas aparência, que pode iludir o próximo e, por isso mesmo, oferece o perigo
de transviá-lo para uma concepção igualmente errônea da Fé.
Semelhante atitude, repitamos, fundamental para o
católico, envolve a sujeição da pessoa a uma dupla autoridade externa: à verdade
que é proposta pela Revelação, e à Igreja, que a transmite.
Por isso, porque exige a confissão de nossa
inferioridade, de nossa limitação, rebela-se contra ela o espírito moderno, em
nome da razão e dos direitos do homem. É tal espírito de rebeldia que anima —
ainda que talvez subconscientemente — os movimentos aqui lembrados. O antídoto
à contaminação desse espírito encontra-se na obediência humilde e amorosa ao
Magistério autêntico, aceitando o Dogma revelado no sentido em que sempre o
ensinou a Igreja. Sem esta Fé, pura, sem reservas, não se está imunizado contra
o vírus da acomodação ao século, censurada por São Paulo.
A vida segundo a Fé
Com a mesma docilidade, sem envolvê-las nas sinuosidades
de nosso amor próprio, é que devemos entender e praticar as normas apresentadas
pelo Divino Mestre, para que Ele reine em nós, e para que sejamos elementos
eficazes na difusão de seu reinado nas almas.
“Quem quiser vir após mim, renuncie a si
mesmo, tome sua cruz, todos os dias, e siga-me” (Lc.
9, 23). Essa a regra áurea, insubstituível. Sem o “renuncie a si
mesmo”, sem a abnegação do próprio egoísmo, de nossos gostos, nossos
desejos, para só fazer a Vontade de Deus, a santificação é ilusória, o
apostolado, na realidade, estéril e exposto ao perigo de desviar-se no sentido
de um compromisso com o mundo.
Tal renúncia pede a mortificação de todos os dias,
porquanto, quotidianamente, devemos tomar a cruz que Nosso Senhor nos envia, a
cruz no cumprimento exato de nossos deveres de estado, na paciência com o
próximo, no domínio do respeito humano.
Semelhante preceito, entendido na dimensão de sua
verdade objetiva, é incompatível com as máximas do mundo. Somente um espírito
de Fé, que vive da esperança das realidades futuras que se vão revelar apenas
na Eternidade, é capaz de aceitá-lo e propor-se lealmente a vivê-lo. Bem
assimilado, ele nos faz ver como todos os movimentos que almejam instaurar uma
Nova Igreja, mais atualizada com as maneiras de ser e comportar-se da sociedade
moderna, marcam um perigoso desvio no caminho que conduz à glória de Deus e à
salvação eterna.
O espírito do mundo
Convenhamos, amados filhos, que a tentação de buscar uma
concordância entre a doutrina da salvação e o espírito do século é aliciante.
Para ela nos impele, além do pendor próprio de nossa natureza pecadora, uma
falsa caridade, fruto de uma consideração naturalista da existência.
Por isso mesmo, o Divino Mestre não se cansa de alertar
seus discípulos contra uma vida segundo os preceitos do mundo. Na grande oração
sacerdotal, após a última ceia, pede Jesus ao Padre Eterno especialmente que
preserve os seus do contágio do século (Jo. 17, 9-15). E a razão desse pedido é
porque o mundo está todo ele sob o influxo do maligno (1 Jo. 5, 19),
constituído que é de atrativos da sensualidade, da vaidade e do orgulho (1 Jo.
2, 16). No mesmo teor, São Paulo é insistente na exortação a que fujamos da
solicitação para nos conformarmos com o espírito deste século (Rom. 12, 2).
Se, auxiliados pela oração confiante e fervorosa, nos
mantivermos fiéis a esta vigilância que aqui salientamos, Deus Nosso Senhor se
apiedará de nós e conceder-nos-á a graça de não nos envolvermos nas malhas de
um aparente, mas falso apostolado. Ação apostólica que, se não renuncia
simplesmente ao Reinado social de Jesus Cristo no mundo de hoje, conforma-se
com um meio cristianismo, concebido à maneira de um conúbio entre dois
espíritos opostos: a austeridade cristã e os devaneios da vida moderna. O
resultado de semelhante amálgama só poderá ser a náusea de que fala o
Apocalipse (3, 16), e que provoca a reprovação do Senhor.
Amados filhos, na Encíclica “Immortale
Dei” Leão XIII faz eco às advertências de Jesus Cristo, chamando a
atenção dos que se dedicam ao apostolado da difusão do Reino de Deus na
sociedade, sobre dois perigos que os rondam: a conivência com as opiniões
falsas e uma resistência menos enérgica do que aquela exigida pela verdade.
Evitemos, pois, amados filhos, que nossa caridade
degenere em apoio ao erro ou ao vício. E nossa paciência jamais seja um
incentivo à perseverança no mal.
Oração
“Sine me nihil potestis facere” - “Sem mim,
nada podeis fazer” (Jo. 15, 5). A união com Jesus Cristo,
amados filhos, para que Ele reine em nós e para que nós sejamos cruzados ao
serviço de sua Realeza, é absolutamente necessária.
Esta vinculação com o Redentor da humanidade, fruto da
Graça, é alimentada e intensificada pela recepção dos santos Sacramentos e pelo
exercício das virtudes cristãs, especialmente da caridade, que nos induz a
evitar, em nossa vida, tudo quanto desagrade a Deus Nosso Senhor, e aviva em
nós o interesse real por nosso próximo, sobretudo por sua santificação.
Meio indispensável para conservar a união com Jesus
Cristo e o zelo pela glória de Deus e salvação das almas, bem como a eficácia
em nosso apostolado, é a oração, instrumento soberano que o Salvador divino nos
legou para obtermos todos os favores do Céu.
Exortamo-vos, pois, amados filhos a que empregueis
sempre esta eficacíssima arma, para a implantação do Reino de Jesus Cristo na
terra, primeiro em vós mesmos, depois na sociedade em que viveis. “Pedi
e recebereis” (Jo. 16,24), disse a palavra infalível, que pode cumprir
e cumpre o que promete. Se nosso País, portanto, não é inteiramente católico
como deveria ser, a culpa, em ponderável parte, é nossa. Se rezássemos com fé e
confiança, certamente ter-nos--íamos santificado e sido atendidos. Orai, pois,
amados filhos, rezai com vontade ardente de receber o que pedis.
Tão necessária é a oração, que Jesus, Ele mesmo, nos
ensinou a rezar. Compôs para nós a mais bela e mais completa das orações: o
Padre-Nosso. É a prece que devemos dizer todos os dias. Pois nela pedimos
precisamente a graça de que chegue até nós o Reino de Deus. — Que outra coisa
suplicamos, com efeito, na segunda petição do Padre-Nosso, senão que venha a
nós o Reino de Deus — “Venha a nós o Vosso Reino”? (Mt. 6,
10). Eia, recitemos o Padre-Nosso com fervor, considerando bem o que pedimos, e
implorando com vontade ardente de vê-lo realizado: “Venha a nós o Vosso
Reino!” Podem nos faltar todos os outros meios para difundir o Reinado
de Jesus Cristo — ciência, saúde, atrativo pessoal, capacidade de empolgar
multidões, enfim, tudo. O meio da oração não nos falta. No entanto, é o
indispensável. Os outros sem este, são ineficazes. Ao passo que, por meio da
prece, obtemos também a capacidade para o apostolado que, segundo os desígnios
da Providência, cumpre-nos realizar. Ora, a prece encontra-se a nosso alcance.
Utilizemo-la com desejo ardente de sermos atendidos. Deus leva muito em
consideração o fervor de nosso desejo quando Lhe pedimos alguma graça.
Roguemos, pois, com todas as veras de nossa alma, e a obteremos.
Especialmente se interpusermos a intercessão dAquela que
é a Medianeira de todas as graças, a Rainha dos Céus e da Terra, Maria
Santíssima, Senhora nossa. Entreguemos a seus cuidados nossos anseios e
preocupações. E Ela, contra toda a esperança humana —“in spem contra
spem” (Rom. 4,18) - fará reinar seu Divino Filho no mundo de hoje,
cumprindo a amável e suave promessa que proclamou em Fátima: “Por fim o
meu Imaculado Coração triunfará!”
Com Nossa cordial bênção em Nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, pedimos à Virgem Santíssima, Mãe de Deus, conceda a Nossos caríssimos cooperadores e amados filhos a perseverança no amor de Jesus Cristo para glória de Deus e bem das almas.
Dada a passada em Nossa Episcopal Cidade de Campos, aos
oito dias do mês de dezembro de mil e novecentos e setenta e seis, solenidade
da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.
Antônio, Bispo de Campos
Mandamento
Nomine Domini invocato,
Mandamos que esta Nossa Carta Pastoral seja lida e explanada
aos fiéis, e um exemplar da mesma arquivado na Paróquia.
Campos, 8 de dezembro de 1976
Antônio, Bispo de Campos
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