domingo, 5 de maio de 2013

Porque urge combater as práticas de bruxaria (II)





"(...) No Brasil, que é de fato o único pais do mundo onde as religiões africanas se expandem, a maior parte de seus seguidores já não é constituída de negros e sim de mestiços, e a maior celebridade religiosa que os representa é um branco francês: Pierre Verger. (...) A propósito do sr. Verger, é preciso lembrar que a ambigüidade do seu personagem vai além do simples fato de ser um branco a suprema autoridade da religião negra: o sr. Verger é um ser bifronte, misto de antropólogo e pai-de-santo – uma posição que lhe permite mudar a clave de seu discurso conforme as demandas do momento, ora falando do culto africano com a liberdade de um espectador científico livre e descomprometido, ora com a autoridade de um porta-voz oficial. Essa duplicidade de papéis por sua vez permite que ele desfrute do prestígio da autoridade religiosa sem ter de arcar com a concomitante responsabilidade. Os hierarcas das demais religiões, se recebem a veneração e obediência de seus fiéis, por outro lado têm de responder, perante a sociedade, pelos pontos de sua doutrina que pareçam duvidosos ou extravagantes aos olhos dos não-crentes. (...) Nenhum desses sacerdotes está em posição de furtar-se às cobranças que os de fora possam fazer à sua religião. É precisamente essa a posição que o sr. Verger ocupa na sociedade brasileira. (...) Assim, por exemplo, no seu recente livro Ewé. O Uso das Plantas na Sociedade Yoruba (Salvador, Odebrecht, 1995) ele nos dá várias receitas de mandingas usadas no candomblé para matar pessoas, sem que a ninguém ocorra acusá-lo de pregar uma religião homicida – pois afinal ele está falando como observador científico e não como porta-voz responsável pela crença que prega. É um privilégio que nenhuma autoridade religiosa deste mundo pode invocar. (...) Para piorar as coisas, a nenhuma autoridade religiosa deste mundo é moralmente permitido ensinar a prática de ritos sem que esteja persuadida da eficácia desses ritos. Um rabino não submeterá meninos ao bar-mitzvah, ou um padre os submeterá ao batismo, dizendo-lhes ao mesmo tempo que se trata provavelmente de ritos inócuos, sem eficácia neste mundo ou no outro. Mas o caráter peculiar de sua religião e a posição ainda mais peculiar que dentro dela ocupa permitem que o sr. Verger ensine os ritos homicidas ao mesmo tempo que deixa numa conveniente ambigüidade as questões que uma consciência religiosa sã jamais deixaria de buscar esclarecer:Esses ritos funcionam ou não? São praticados ou não? Pois, se declaradamente não funcionam, sua religião é uma farsa. Se funcionam, é intrinsecamente homicida. Se funcionam e são correntemente praticados, já não se trata somente de uma doutrina homicida, mas de um costume homicida generalizado e legitimado pela religião. Convenhamos que são questões incômodas. Mas por que conceder ao sr. Verger o privilégio de permanecer na indefinição ante essas perguntas, quando as demais autoridades religiosas são constantemente cobradas até mesmo por violências indevidas e sem relação com o dogma – ou mesmo contrárias a ele – que seus correligionários tenham cometido no passado?"


(Olavo de Carvalho, em "A divida dos faraós", em O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras, Rio de Janeiro: Ed. da Faculdade da Cidade, 1996.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Palavras de ordem deste formulário de comentários: prudência, educação, honestidade, sinceridade e clareza.