Don Curzio Nitoglia
[Tradução: Gederson Falcometa]
(Do blog Salve Regina)
A natureza da autoridade
A sociedade é uma união moral de muitos homens, para agir em vista do bem comum.
A causa final da sociedade é o bem
estar comum temporal;
a causa material são as pessoas;
a causa eficiente é Deus que criou o
homem sociável por sua natureza;
enquanto a causa formal é a união moral
entre os sujeitos, ou seja, os direitos-deveres, mediante os quais os
indivíduos estão unidos para agirem juntos, em vista do bem comum.
A autoridade, deriva da sociedade constituída, não é uma
das quatro causas essenciais da sociedade, mas uma propriedade (ou acidente
próprio-necessário, que deriva diretamente e necessariamente da natureza da
autoridade, e não lhe é a essência).
Alguns filósofos (por exemplo o cardeal Tomás Zigliara
O.P.), retém que a autoridade seja a essência da sociedade [1]; outros (por
exemplo Joseph Gredt O. S. B. e Josephus Goenaga S. J.), sustentam que essa é
um acidente próprio da sociedade e não a sua essência [2], também o Padre
Felice Maria Cappello S.J., e o Cardeal Alfredo Ottaviani seguem tal tese [3].
Todavia esses não explicam o porque de tal tese e não se
delongam além.
Parece-me possível dizer que a autoridade, tem a tarefa
de endereçar os diversos indivíduos, (que constituem a sociedade) ao fim comum,
propriamente enquanto sócios ou associados em vista do bem comum (causa formal
da sociedade), mediante direitos e deveres que lhe unem ou associam a agir em
vista do fim comum, pressupõe a causa formal (união moral dos cidadãos) e então
não pode ser a essência da sociedade, mas uma consequência sua ou propriedade
que deriva da natureza dos associados através dos direitos-deveres, em vista de
um fim.
Por exemplo : o intelecto e a vontade são duas
faculdades da alma humana que é co-princípio (junto ao corpo) da pessoa humana;
essas por mais nobre que sejam não são a natureza humana, mas duas faculdades
ou acidentes necessários, através dos quais a alma é diretamente operável, do
mesmo modo é para a autoridade. Na verdade a autoridade é antes princípio
próximo da ação, ela faz leis, as faz observar e castiga quem as viola,
dirigindo assim – praticamente – a sociedade dos homens ao seu fim.
Portanto, a autoridade é uma consequência da sociedade
já constituída no seu ser; essa tem o direito (e o exercita) de obrigar os
membros da sociedade, afim de que cooperem com seus atos para o bem comum.
A autoridade, também sendo um acidente é necessária, de
fato «em qualquer sociedade, escreve Leão XIII, é necessário que existam alguns
que comandem, afim de que a sociedade, não se esfacele, privada do chefe pelo
qual é regida» [4].
Como no corpo humano (pessoa física) existe o cérebro ou
a cabeça que comanda, e os membros que seguem as suas ordens; assim na sociedade
civil (ou pessoa moral) existe a autoridade ou chefe que ordena e os membros ou
sujeitos que obedecem [5].
A autoridade e a pessoa humana
Santo Tomás de Aquino ensina que «o reino é para o rei, mas o rei é ordenado ao bom governo» [6], ou seja, o fim do Estado e da autoridade política é o bem comum dos cidadãos, que comanda – ensina São Paulo – é «ministro de Deus para o bem dos súditos». Leão XIII explica que «a autoridade governante deve ser endereçada a utilidade dos súditos e sua natureza é tutelar o bem da sociedade, a autoridade civil tendo sido estabelecida para vantagem de todos» [7].
É preciso evitar os dois extremos do individualismo ou
personalismo e da estadolatria:
a) O personalismo
individualista e liberal:
A liberdade e a independência da pessoa humana não são
absolutas e ilimitadas, esses dependem de Deus e são destinadas a Ele. O homem
deve portanto, ser submisso a Lei divina, quando o homem faz o mal e adere ao
erro, mantém a dignidade radical da natureza humana, mas perde
a dignidade próxima de pessoa humana, ordenada ao verdadeiro e
ao bem, e se abaixa ao nível das bestas.
Além disso, o homem sendo animal social é limitado pela
necessidade de conviver em paz com os outros homens e deve repeitas os direitos
dos outros. A independência, absoluta própria do liberalismo, termina
necessariamente na anarquia.
a) A estadolatria ou absolutismo
totalitarista:
O homem não é uma coisa, um simples instrumento do
Estado seu fim último.
Se o Estado como pessoa moral (grupo de mais pessoas
físicas) é juridicamente mais nobre que ohomem-cidadão (animal
social) como pessoa física individual; o homem é
todavia, como pessoa humana(animal racional, espiritual e
imortal) ontologicamente superior ao Estado.
A pessoa humana e o bem estar são o fim do Estado,
enquanto a organização política é um meio através do qual o Estado pode colher
o seu fim (bem estar comum dos cidadãos). «Sem dúvida o individuo deve servir a
sociedade, deve também realizar sacrifícios, mas sempre para sua vantagem,
porque o sacrifício do individuo – em última análise – torna vantagem o próprio
individuo. A sociedade civil tem poder sobre os súditos, mas apenas
relativamente ao seu fim e ao seu bem» [9]
Tal relação entre Estado e individuo foi abordada por
Jacques Maritain, em 1936, em Humanismo integral, que foi criticado
por Padre Júlio Meinvielle em 1945 (Da Lamennais a Maritain) e pelo
Padre Reginaldo Garrigou-Lagrange O.P. entre 1947-48 (Correspondência entre
Padre Garrigou-Lagrange e Padre Meinvielle). Como se vê padre Andrea Oddone
S.J., professor na Universidade Católica do Sagrado Coração em Milão e membro
do Colégio dos escritores da La Civiltà Cattolica, foi o primeiro –
em 1937 – a refutar a tese maritainiana, embora sem citá-la explicitamente.
Então a pessoa humana, imagem de Deus é metafisicamente
superior ao Estado. Leão XIII ensina «homo est republica senior». O
Estado portanto, «é o aperfeiçoador do individuo e então, o Estado é ordenado
ao individuo, esse deve ajudar o homem e não ofendê-lo – como ensina Leão XIII
na Rerum Novarum – tutelá-lo e não diminuir os próprios
direitos» [8].
A intolerância católica
Para entender melhor aquilo que significa exatamente o conceito de in-tolerância, é preciso partir da ideia de tolerância. Essa se encontra acompanhada de qualquer mal a suportar ou tolerar, ( por exemplo, quando se tem uma dor de dente a noite, e não é possível recorrer imediatamente a um dentista, se é forçado a tolerar, até quando abrir o consultório odontológico, para poder obturar o dente sujeito de cárie, de dor e de mal). A tolerância de um mal moral, pressupõe um vício (por exemplo se toleram as assim chamadas "casas de tolerância"), enquanto a tolerância doutrinal pressupõe um mal do intelecto, ou seja, o erro. Então, «tolerância significa suportar com paciência uma coisa má moralmente ou errônea doutrinalmente» [10].
Do ponto de vista teológico a tolerância dogmática
«coloca sobre um igual plano jurídico, as várias e contrárias religiões, e
concede a todas plena liberdade, porque supõe que devam considerar-se todas, de
igual direito, diante de Deus e em ordem a salvação, essa não é outra que a
indiferença, broto direto do liberalismo» [11].
Padre Andrea Oddone S.J., da La Civiltà
Cattolica, afirma que a Igreja «não pode absolutamente admitir a tolerância
dogmática ou doutrinal. Sobre este ponto ela será sempre intolerante, porque
tem a consciência de ter recebido de Cristo o depósito da verdade divina e sabe
ter sido investida de um magistério soberano e infalível» [12].
A intolerância doutrinal é uma conseqüência direta da
verdade que se tem a fortuna de conhecer (por exemplo, o professor de
matemática não pode tolerar que para um ou mesmo para todos os alunos, 2+2=6;
não 2+2=4, só e apenas 4, nem mais nem menos; não quase 4, ou 4 e alguma coisa,
mas só e apenas 4). Essa não pode não condenar cada erro; o catolicismo é
intolerante do mesmo modo que a verdade não admite o erro doutrinal. Uma
ciência que admitisse nas suas buscas os erros e as verdades sem distinções,
destruiria a si mesma (um engenheiro que no projetar uma ponte admitisse o erro
nos seus cálculos matemáticos, destruiria as suas profissões e tantas vidas
humanas, como conseqüência do desmoronamento da ponte, que não pode sustentar
ou tolerar carência de ferro ou de cimento). Assim «a Igreja, se não fosse
intolerante na doutrina destruiria a si mesma» [13]. Apenas a verdade e o bem
tem direito de existência, o erro e o mal moral não tem nenhum direito, podem
apenas ser tolerados, excepcionalmente, apenas para evitar um mal maior (por
exemplo o dentista que avista uma infecção no dente cariado, tolera a sua
permanência na boca do pobre paciente, até que a infecção não desapareça,
depois de uma eventual cura por antibióticos. Não se admite o mal do dente, não
se lhe concede direitos; ele é tolerado, para evitar que a infecção se espalhe
do dente para todo o corpo do paciente).
«A intransigência teorética da Igreja, tem sido capaz de
levar em conta as situações práticas, porque uma coisa é o ideal, outra a
realidade. Idealmente a verdade sendo apenas uma, deve impor-se a todas as
inteligências, como a lei moral a todas as consciências. Mas a prática
demonstra que, seja por fraqueza da razão, seja por caprichos da vontade, podem
produzir-se frequentemente faltas de que é necessário levar em conta. Por isso
a Igreja permite que os Estados acordem a tolerância política, em uma sociedade
dividida sob o ponto de vista religioso, mas somente na medida
necessária para impedir males maiores" [14].
Santo Agostinho afirma que «é preciso condenar e refutar
as doutrinas heréticas e rezar pela conversão dos hereges. Estejamos altivos
por conhecer e aderir a verdade, mas sem soberba, combatamos pela verdade, mas
sem crueldade» [15]
É preciso saber que "as ações são dos
sujeitos", onde a distinção clara entre erro e errante, não é muito
correta, de fato, sem errantes não existiriam erros (na guerra sem soldados não
existiriam flechas e tiros de canhão. Se um general quisesse combater um
exército inimigo, e dirigisse os seus esforços contra as flechas e não contra
os arqueiros, seria um péssimo general). A sã filosofia ensina que se deve
combater o errante e o seu erro e a teologia ensina que com o errante não se
deve ser exercitado o ódio de malevolência (querer o seu mal
como fim), mas é lícito o ódio de inimizade que nos leva a
querer o seu bem, o seu arrependimento como homem, e a
combatê-lo como inimigo da verdade e do bem. São Leão Magno
dizia que «não podemos governar os nossos fiéis, se não combatemos – com zelo
divino – aqueles que são malvados e corruptores» [16].
«Quando os errantes tentarem espalhar seus erros e
prejudicar aos outros, a intolerância do erro deverá redundar também em dano
para os errantes. Então, também os errantes não podem ser tolerados, mas devem
ser removidos da sociedade ou ao menos é preciso torna-lhes impotentes para
causar dano» [17]
Na verdade todo corpo, físico como moral, fisiologicamente tende
a expelir os mórbidos e as infecções, (quem esta resfriado espirra, ou seja,
tenta expelir o resfriado, seria louco se acordasse o direito de torná-lo
doente).
Não é preciso fazer como Teófilo de Alexandria, o qual
no combater a heresia origeniana, era de tal forma tolerante com os heréticos a
incorrer-se na crítica de São Jerônimo que lhe escreveu «o teu comportamento
desagrada a Deus, de fato, enquanto com a tua tolerância mire corrigir alguns
poucos, fomentas a audácia de muitos malvados e faz de forma que a sua seita se
enrobusteça» [18]
NOTE:
1) T. M. Zigliara O. P., Summa philosophica,
De Propaganda Fide, Roma, 1876, Ethica, vol. III, pag. 184.
2) J. Gredt O.S.B., Elementa philosophiae
aristotelico-thomisticae, Herder, Friburgo, 1921, 3ª ed., n° 847, pag. 346.
J. Goenaga S.J., Philosophia socialis, Gregoriana, Roma, 1964, pag. 278.
J. Goenaga S.J., Philosophia socialis, Gregoriana, Roma, 1964, pag. 278.
3) F.M. Cappello S.J., Summa Juris Publici
Ecclesiastici, Gregoriana, Roma, 1954, 6ª ed., pag. 26.
A. Card. Ottaviani, Compendium Juris Publici Ecclesiastici, Typis Polyglottis Vaticanis, Roma, 1944, 4ª ed., pag. 12.
A. Card. Ottaviani, Compendium Juris Publici Ecclesiastici, Typis Polyglottis Vaticanis, Roma, 1944, 4ª ed., pag. 12.
4) Leone XIII, Diuturnum illud, 29 giugno
1881.
5) Cfr. L. Taparelli D'Azeglio S.J., Saggio
teoretico di Diritto naturale,Civiltà Cattolica, Roma, 1855, I vol.,
pagg. 267-270.
pagg. 267-270.
6) S. Tommaso d'Aquino, De regimine principum 1,
2.
7) Leone XIII, Immortale Dei, 1 novembre
1885.
8) A. Oddone, op.
cit., pag. 52.
9) Id., pag. 53.
10) A. Oddone S.J., La costituzione sociale
della Chiesa e le sue relazioni con lo Stato, Vita e Pensiero, Milano,1937,
pag. 129.
11) Id. , pagg.
129-130.
12) Id., pag. 130.
13) Id., pag. 131.
14) Id., pag. 135.
15) S. Agostino Aurelio, Sermo 49, 7.
16) S. Leone Magno,
cit. in A. Oddone, op. cit., pag. 137.
17) A. Oddone, op.
cit., pag. 137.
18) S. Gerolamo, Epist; 63, 3.
PICCOLA BIBLIOGRAFIA:
A. Messineo S.J., Il fondamento giuridico
dell'autorità, in «C.C.», anno 95, 1944, vol. II, quaderno 2255, 27 maggio
1944, pp. 285-294.
Id., Le origini trascendenti del potere politico,
in «C.C.», 1944, vol. II, quad. 2259, 29 luglio 1944, pagg. 138-147.
P. Dezza S.J., I neotomisti italiani del XX
secolo. Filosofia morale, Bocca, Milano, 1944.
M Cordovani O.P., Tirannia e Libertà. L'uomo
e lo stato, Studium, Roma, s.d.
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