Por Dr. Peter E. Chojnowski
Traduzido por Andrea Patrícia
(Do blog Borboletas ao Luar)
O Papa São Pio X, Giuseppe Melchior Sarto, parou diante
da gruta de Lourdes, durante seu passeio nos jardins do Vaticano, na primavera
do ano de 1914. Virou-se para Dom Bressan, seu confessor, e disse: "Eu
estou pesaroso pelo próximo Papa. Eu não vou viver para ver isso, mas,
infelizmente, é verdade que a religio depopulata está chegando muito em breve.
Religio depopulata". O termo "religião despovoada", refere-se a
profecia vinda do irlandês São Malaquias, e deveria ser aplicada ao reinado do
sucessor no trono de São Pedro do próprio Pio X. Que São Pio X poderia prever o
despovoamento da Europa, especialmente na medida em que essa tragédia iria
afetar a Igreja Católica é realmente uma das características mais marcantes da
relação entre este papa e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Muitos
geo-políticos e estrategistas observadores de alto nível poderiam claramente
vislumbrar algum tipo de briga entre duas ou mais das seis grandes potências da
Europa (ou seja, Rússia, Grã-Bretanha, França, Áustria-Hungria, Itália e
Alemanha), ninguém previu a queda da civilização cristã tradicional, exceto o
Papa São Pio X. Mesmo seu próprio secretário de Estado e confidente íntimo, o
anglo-espanhol Cardeal Merry del Val, ficava perdido ao tentar explicar a
insistência do Papa de que o que ele previu não era guerra justa e sangue, mas
a perda da Casa Comum Europeia; uma perda que explicita as dores para a Igreja
Católica e a miséria e perda para a preponderância da humanidade.
Uma situação muito semelhante, envolvendo uma visão do
Papa em um acontecimento geopolítico futuro, ocorreu durante sua audiência com
a futura imperatriz austríaca Zita, no verão de 1911. A Princesa Zita da casa
real franco-italiana de Bourbon-Parma acabara de se tornar noiva do futuro
herdeiro do trono imperial austríaco, o arquiduque Charles. Charles, em 1911,
era o segundo na linha sucessória do trono de seu tio-avô Franz Josef que
reinou sobre o Império multi-nacional da Áustria desde 1848. O Papa, que,
juntamente com o Cardeal Merry del Val foi um grande defensor da tradição
européia dos Habsburgos, parabenizou a princesa por suas próximas núpcias. No
final de uma conversa que começou com: "Eu estou muito feliz com esse
casamento e eu espero muito dele para o futuro... Charles é um dom do Céu pelo
que a Áustria fez para a Igreja", o Papa parecia vagar seu pensamento
quando ele se referiu ao futuro marido de Zita como o herdeiro do trono. Quando
a jovem princesa apontou gentilmente que seu futuro marido não era o herdeiro
direto do trono, vindo primeiro seu tio, o predestinado Franz Ferdinand, São
Pio X olhou sério e insistiu que Charles em breve seria imperador. Quando ela
garantiu que Franz Ferdinand certamente não abdicaria dado o fato de que ele
estava no auge da vida, o Papa parecia perturbado e ponderadamente disse em voz
baixa: "Se é uma abdicação... Eu não sei".
Que o Papa São Pio X deve ter tido pressentimentos
precisos sobre os dois grandes acontecimentos do ano de 1914, anos antes que
esses eventos realmente de fato tenham ocorrido, é simplesmente fantástico e
uma manifestação de sua intimidade com o Divino e sua preocupação paterna com
as vidas diárias dos fiéis Europeus. O que essas ideias também revelam é o
claro reconhecimento do Papa do fato primário europeu de seu tempo, que Áustria
Habsburgo era a pedra angular da Europa. Para mover o edifício, era preciso
cavar e remover a pedra. A Primeira Guerra Mundial ou a Grande Guerra foi
simplesmente a erradicação desta pedra. Foi uma guerra em que o coração
político da cristandade católica foi destruído, aparentemente para sempre.
Essa é a nossa tese, que a Áustria foi a razão para a
Grande Guerra e que o resultado mais tangível do conflito foi o desmembramento
do Império. Além disso, em artigos posteriores sobre os papas e a sua relação
com o Grande Conflito, vou tentar mostrar como o destino da Áustria tem muito a
ver com sua ligação com o Papado e como, nos anos mais críticos de 1917-1918, a
política da Áustria estava em pleno acordo com os objectivos do Papa Bento XV.
Que o fracasso da Áustria-Hungria marcou a exclusão da voz dos papas dos
conselhos da Europa moderna, simplesmente confirma o fato de que,
historicamente falando, o prestígio e a influência do altar e do trono têm
aumentado e diminuído em conjunto.
A) Europa Pré-1914: A Torre Orgulhosa
Quando olhamos para a Europa de 1914, somos forçados a
admitir um fato incontestável: funcionava. Com isso, quero dizer que existia
uma sociedade, sustentada pelas mesmas instituições que tinham-na amparado por
mais de um milênio (por exemplo, a aldeia rural, a Igreja, as dinastias reais,
as aristocracias transnacionais). Esta sociedade estava confiante em si mesma,
testemunhando a colonização européia do mundo este ano. Suas taxas de
natalidade eram muito altas; seus reis eram venerados e, mesmo, amados. A
indústria, mesmo na Rússia agrária, foi se expandindo a uma taxa desconhecida
na anterior história da humanidade.
Por que, em um mundo em que as luzes estavam finalmente
brilhando, elas tão de repente se apagaram? Estou, é claro, referindo-me aqui a
famosa declaração de Sir Edward Grey, secretário britânico das Relações
Exteriores em 1914 e, ironicamente, um dos homens mais responsáveis pelo
início do conflito sangrento, no qual ele comentou sobre as luzes de Whitehall
gradualmente sendo extintas à noite, em agosto de 1914, quando o Império
Britânico e o Império Alemão foram à guerra. "As luzes estão se apagando
por toda a Europa; não vamos vê-las acesas novamente em nossa vida".
Como pode ser que as luzes da "Torre
Orgulhosa", como Barbara Tuchman nomeou seu livro sobre a Europa
pré-guerra, tenham ido embora? Como é possível que uma civilização que estava
melhor alimentada, alojada melhor que qualquer outra no passado, uma de
alfabetização quase universal --- foi afirmado por alguns historiadores contemporâneos
que há mais analfabetismo na Inglaterra hoje do que em 1914 - uma civilização
em que as normas da cultura e do debate parlamentar eram tão altas que, na
década de 1890, em Berlim, havia até um mercado negro de ingressos para as
galerias públicas do Parlamento alemão, caiu no esquecimento devido ao
auto-abate?
Aqui, pode-se dar fatos históricos e opiniões sobre
bastidores da diplomacia, os níveis de tropas, o estado das estradas de ferro,
e postura geopolítica, no entanto, estas coisas somente eram apenas
manifestações de uma desorientação mais fundamental na vida européia, aquela
que São Pio X identificou em sua encíclica inaugural E Supremi Apostolatus em 4
de outubro de 1903. Aqui, o Papa, falando de sua própria época, diz: "como
se poderia esperar encontramos extinto entre a maioria dos homens todo o
respeito ao Deus Eterno, e nenhuma consideração prestada nas manifestações da
vida pública e privada à Suprema Vontade."
É isso, talvez, este pensamento que São Pio X tinha em
mente quando, em 28 de julho de 1914, o embaixador austríaco apareceu diante de
Pio X para informá-lo que o Império tinha formalmente declarado guerra contra o
Reino da Sérvia. Durante esta reunião, o embaixador pediu ao Papa para abençoar
as armas do exército imperial e real da Áustria e Hungria. A isso Pio X
respondeu: "Diga ao Imperador que eu não posso abençoar nem a guerra, nem
aqueles que desejaram a guerra. Eu abençôo a paz". Quando o embaixador
então seguiu com um pedido de bênção pessoal para o imperador, Franz Josef, o
Papa afirmou: "Eu só posso rezar para que Deus possa perdoá-lo. O
Imperador deve considerar-se sortudo por não receber a maldição do Vigário de
Cristo!".
Qual teria sido o resultado de uma bênção papal ou de
uma maldição papal nunca se saberá. O que está claro, porém, é que o Papa São
Pio X percebeu o que imperador Franz Josef e a maioria dos generais europeus
parecem ter se esquecido, pela declaração de guerra contra a Sérvia, o monarca
Habsburgo havia soltado os cachorros de uma luta longa e assassina que iria
nivelar tudo o que sua dinastia tinha construído ao longo de cerca de 700 anos.
Qual era exatamente a situação europeia, que deu a São
Pio X tal preocupação em 1914? Como a "guerra de curta duração" que
todos planejaram, tornar-se-ia a Grande Guerra, que pouquíssimos, exceto o
Papa, previram? Para entender a situação europeia, de um modo geral, tal como
existia em 1914, deve-se focalizar a atenção sobre duas outras datas, a da
Revolução Francesa de 1789 e a da derrota de Napoleão e da restauração do
sistema monárquico em 1815. A Revolução Francesa, um ressurgimento de
entusiasmo por duas formas antigas de governo, o da república e o da
democracia, havia aterrorizado a grande massa de europeus - e americanos - por
sua violência, sua estúpida derrubada de antigas instituições, e sua impiedade
anticlerical e hostilidade a tudo o que era cristão. Esta aberração política
guiada pela inveja teria sido sufocada em 1795, por uma multidão monarquista em
Paris, que estava reagindo à guerra, à fome incessante, e ao anticatolicismo da
regicida Primeira República, se um corso jovem de origem italiana, Napoleão
Bonaparte, não tivesse usado uma metralha sobre a multidão em busca de justiça.
Esta intervenção salvou a República, a herança da Revolução, e criou as condições
necessárias para espalhar esse fervor Revolucionário em toda a Europa.
Foi exatamente isso que aconteceu quando Napoleão
Bonaparte institucionalizou a Revolução no Primeiro Império. Fazendo a si mesmo
Jacobino coroado, Napoleão tentou trazer a revolta maçônica para toda a Europa,
de Lisboa a Moscou. Ele não conseguiu, após uma geração de guerra devido à
vitória do Almirante Nelson na Batalha de Trafalgar e da sua derrota para o
Duque de Wellington na Batalha de Waterloo em 1815. Após o Congresso de Viena,
as potências europeias da Rússia, Prússia (que viria a se tornar líder do
Segundo Reich alemão), Áustria, Grã-Bretanha, e a França monarquicamente
reabilitada, estabeleceram-se em uma um tanto tensa e relativamente estável
ordem política de impérios multi-nacionais unidos pela lealdade a um monarca e
pelo desejo comum de evitar outro surto da barbárie que foi experimentado
durante a Revolução Francesa. Por, aproximadamente, 100 anos este sistema foi a
Ordem Europeia, apesar de sentimentos democráticos e revoltas, do
republicanismo francês e seitas maçônicas sempre agindo como células cancerosas
prontas para matar o corpo dessa Ordem.
Foi em participação especial que a Grande Ordem Europeia
se viu entrar na incerteza do século XX. Este Sistema firmemente interligado
tinha uma especial preocupação e ponto de instabilidade: o Império Otomano, a
Turquia, o "Homem Doente da Europa". Os turcos Osmanli, uma tribo
turco-tártara islâmica fora da Ásia Central, no início do Renascimento
começaram a empurrar os gregos bizantinos para fora da Ásia Menor e,
finalmente, cruzaram pela Europa, onde subjugaram os búlgaros, sérvios, gregos
e bósnios. O ponto alto do avanço islâmico turco foi em 1683 às portas de
Viena, onde o rei polonês Jan Sobieski os parou. A partir de então houve uma
retirada lenta e agonizante em toda a Península Balcânica, até o século XIX,
quando os otomanos perderam a soberania sobre a Sérvia, Grécia e Romênia.
Durante a Guerra dos Bálcãs de 1912-1913, as propriedades europeias do sultão
foram reduzidas à Trácia Oriental ou às propriedades que a Turquia tem até
hoje. Devido à mistura étnica e religiosa desta área, e a vulnerabilidade dos
pequenos reinos, que, como rochas marítimas, surgiram com a recessão do dilúvio
islâmico, a instabilidade crônica, que caracterizou a região, teve que ser
"resolvida" pelos impérios multinacionais da Áustria ou da Rússia.
B) Bósnia, 1914: O Poder Keg Inflama [1]
À luz do vácuo de poder que estava se desenvolvendo
nesta região altamente volátil da Europa, a Conferência de Berlim de Potências
Européias outorgou as antigas províncias turcas Bálcãs da Bósnia e Herzegovina
para a Áustria-Hungria em 1878. Bósnia e Herzegovina, com sua capital em
Sarajevo, eram províncias difíceis de governar, uma vez que eram preenchidas por
uma mistura étnica e religiosa dos sérvios ortodoxos, que foram aliados de uma
maneira muito informal ao império do Czar no Oriente, dos croatas católicos,
que viam a si mesmos como um corte sobre os sérvios por conta de suas ligações
com Viena e Budapeste e, finalmente, os muçulmanos, que eram, na verdade, os
croatas que apostataram ao Islã quando a região estava sob o jugo turco. É
muito possível que este distrito diverso pudesse ter permanecido tranquilo se
não fosse pelas ações subversivas de sérvios bósnios que desejavam se juntar ao
reino sérvio ao leste. Após a guerra dos Bálcãs de 1912-1913, a Sérvia dobrou
de tamanho criando um chamado quase irresistível para os seus irmãos bósnios.
Aqui, novamente, tal situação não precisava ter se desenrolado da forma como se
desenrolou, se comandantes militares e agentes sérvios não tivessem treinado e
armado jovens bósnios sérvios com táticas subversivas e terroristas de lugares
seguros através da fronteira na própria Sérvia. Os historiadores que escrevem
sobre este período não contestam o fato desta atividade por parte dos sérvios.
Como veremos mais tarde, o Papa São Pio X não contestou o fato de que os
sérvios estavam agindo para subverter a Áustria-Hungria, nem se opôs sobre
"disciplinar" esta nação renegada pela monarquia dos Habsburgos.
Á Áustria dos Habsburgos realmente tentou fazer avançar
o nível de civilização e educação dos bósnios durante os anos antes da guerra.
Depois de anexar o território formalmente às terras da Monarquia em 1908,
evitando assim qualquer esperança por parte dos turcos ou sérvios de recuperar
o território (o território havia sido controlado pelos sérvios antes das
invasões turcas), os austríacos construíram 4.000 quilômetros de ferrovia,
5.000 escolas (por conta de que metade da população estava alfabetizada em
1914), e estradas e prédios públicos por toda a capital, Sarajevo. O que foi
mais importante, no entanto, do ponto de vista da Grande Guerra, é que o
herdeiro do trono imperial, o arquiduque Franz Ferdinand, trabalhou ativamente
para estabelecer uma divisão de três partes dos domínios dos Habsburgo, o que
implicaria a configuração de um reino eslavo do Sul, reinado pelo monarca de
Habsburgo, que incluiria os croatas e os sérvios em uma estrutura política
unificada que teria tanta autonomia quanto o Reino da Hungria. Pensa-se que
este plano sério foi muito temido por aqueles nacionalistas sérvios que não
podiam admitir a ideia de sérvios sendo incorporados em um estado multi-étnico
pacífico.
A situação veio à tona em junho de 1914, quando o
arquiduque Franz Ferdinand (note que isso foi antes dos dias dos
“chicken-hawks” [2] de poltrona), como inspetor do Exército, foi ver as
manobras militares na Bósnia e, em seguida, com sua esposa, a duquesa de
Hohenburg, foi fazer uma visita de cortesia a Sarajevo em 28 de junho, o dia de
um grande feriado sérvio comemorativo da batalha de Kosovo. Um fino cordão
militar era a única proteção para o carro do arquiduque nas ruas de Sarajevo.
Um nacionalista sérvio jogou uma bomba, no entanto, não foi até a tarde que o
arquiduque e sua esposa, ansiosa para visitar um oficial de sua equipe de
segurança que foi ferido, foram mortos a tiros pelo nacionalista sérvio Gavrilo
Prinčip. Prinčip, depois do fracasso para alcançar seu alvo na parte da manhã,
descobriu que, devido à uma curva errada para baixo numa rua lateral não
manobrável, o carro do arquiduque dirigiu até ele, muito lentamente, e parou.
Prinčip disparou várias vezes antes que ele fosse dominado, e o arquiduque e
sua esposa foram mortos.
C) O Dilema do Austríaco e o Apelo do Papa Pela Paz
Na noite de 28 de junho de 1914, o Papa estava
incomodado com uma apreensão crescente. Ele chamou seu secretário de Estado.
Merry del Val ficou assustado com a aparência do Santo Padre. Medo e
preocupação estavam expressos em suas feições, e a mão que ele estendeu tremeu.
"Il guerone, a guerra mundial", sussurrou Pio. "Eu sei que está
quase em cima de nós." "Ah, não, Santo Padre", "O céu
político está sem nuvens. Não há perigo; os diplomatas estão se preparando para
viajar durante as férias." Ao ouvir isso, Pio X balançou a cabeça em
desaprovação: "Nós não vamos passar 1914 em paz", gemeu Pio,
"Acredite em mim, Eminência". Uma batida na porta, em seguida,
interrompeu a conversa. Uma missiva foi entregue ao Papa Pio. Um olhar sobre a
folha e sua mão trêmula a deixou cair. Empolgado, Merry del Val pegou o papel e
leu que o herdeiro austríaco e sua esposa tinham sido assassinados. Ainda não
vendo todas as implicações do evento, o Cardeal tentou diminuir a ansiedade do
Santo Padre, argumentando que um evento como esse não se desenvolveria numa
guerra de escala continental. "Óh meu Senhor", gemeu o Papa. Então
Pio arrastou-se para a sua capela e caiu de joelhos diante do tabernáculo.
O que o Papa viu e o que o Cardeal não conseguiu ver foi
que a situação precária das entrelaçadas alianças europeias não seriam capazes
de simplesmente ignorar um evento tão chocante como o assassinato do arquiduque
Franz Ferdinand. O que o Papa parece ter percebido na época, era que a Áustria
seria "necessária" para se mover, a fim de preservar seu prestígio no
conjunto das nações e, ainda, "incapaz" de se mover sem hipotecar a
sua segurança e soberania para o seu vizinho alemão. Mesmo que nenhuma
informação tenha surgido sobre a natureza específica da atividade diplomática do
Papa de 28 de junho de 1914 a 04 de agosto de 1914, o dia em que os britânicos
deram um ultimato que provocou a guerra com a Alemanha, é claro, pelo que se
sabe que único desejo do Papa era que a guerra não acontecesse de jeito nenhum.
Mesmo que ele obviamente tenha apreciado o serviço que a Áustria tinha prestado
à Igreja Católica contra os protestantes ao Norte e os cismáticos ao Oriente, a
partir do conteúdo da entrevista entre o embaixador da Áustria e do Papa em 28
de julho, é claro que ele não aprovou de forma alguma a decisão da Áustria de
ir à guerra, a fim de resolver o problema sérvio. Na verdade, houve algumas
testemunhas que disseram que o Papa escreveu uma carta ao imperador Franz
Josef, implorando-lhe para evitar uma guerra. Mas, o Cardeal Merry del Val
mesmo disse que ele não tinha conhecimento desta carta, não há nenhum vestígio
dela nos arquivos austríacos ou romanos.
Em julho de 1914, a iniciativa estava com a Alemanha.
Como as 48 ½ divisões da Áustria não poderiam lidar adequadamente com as 11 da
Sérvia, especialmente se aquelas 11 fossem apoiadas por 114 ½ divisões de
infantaria da Rússia e um aliado francês, a Alemanha tinha que ficar pronta
para apoiar os Habsburgos se o caminho da guerra com a Sérvia fosse escolhido.
A atitude alemã relativamente a guerra, as várias opiniões dentro da liderança
alemã em si, e a seqüência de eventos que precipitaram a invasão alemã da
Bélgica e Luxemburgo não são fatos históricos que podem ser facilmente
discernidos. O fato alemão que, talvez, tenha sido o mais incompreendido é o da
pessoa do imperador alemão Wilhelm II. Não parecia haver nenhuma hostilidade
aberta a Wilhelm II por parte de São Pio X. Sabe-se que Wilhelm, da Casa de
Hohenzollern (cujo ramo sênior é católico na religião), não era abertamente
hostil à Igreja Católica. Ele era o único que havia rejeitado Otto von Bismark,
o "Chanceler de Ferro" da Kulturkampf anti-católica, ele gostou muito
de viagens que fez para visitar o papa no Vaticano, e foi fundamental para
permitir que os jesuítas voltassem para a Alemanha após o governo de Bismark. A
Casa de Hohenzollern, claro, permitiu que os jesuítas existissem na Prússia,
depois que eles foram extintos no resto da Europa devido a gratidão do
Hohenzollern por uma crítica intervenção jesuíta no início do século XIX, o que
permitiu que o Duque da Prússia recebesse uma coroa real do Sacro Imperador
Romano. Quanto à responsabilidade de Wilhelm sobre a eclosão da guerra mundial,
dois historiadores alemães G.P. Gooch e Arthur Rosenberg investigaram essa
questão depois da guerra. Eles foram contratados para fazer esta investigação
pelo governo socialista republicano da Alemanha e, ainda assim, esses
historiadores vieram com um relatório negativo. Não há evidências de que Pio X
tenha pensado que o Kaiser fosse o principal responsável também.
Se a iniciativa estava com os alemães, qual era o
pensamento estratégico deles no verão de 1914? A este respeito, é claro que os
alemães estavam principalmente preocupados com o maciço progresso militar da
Rússia tanto quanto aos números quanto ao seu exército, o seu desenvolvimento
de uma frota naval do Báltico, e sua construção de ferrovias pela Polónia ao
lado da fronteira alemã. O embaixador alemão nos Estados Unidos, Kanitz, em 30
de julho de 1914, indicou que o alemão não podia esperar enquanto a Rússia
completava seus planos para organizar um exército de 2,4 milhões de homens. Com
a ferrovia francesa financiada logo capaz de mover esses números enormes para
dentro de 100 quilômetros de Berlim, a capital imperial, o pensamento do
Estado-Maior Geral alemão era que, se uma guerra viesse, era preferível que ela
viesse mais cedo do que mais tarde. Como o ministro alemão Riezler, baseando a
sua afirmação sobre a inteligência militar na mão, declarou: "Após a
conclusão das suas [da Rússia] ferrovias estratégicas na Polônia a nossa
posição será insustentável... O Entente sabe que estamos completamente
paralisados." O que parece confirmar esta mentalidade pré-guerra dos
alemães são as declarações de duas das principais figuras políticas e
diplomáticas no mundo anglo-americano, Sir Edward Grey, secretário liberal das
Relações Exteriores Britânicas, e o coronel House, principal conselheiro do
presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. Segundo Grey, em julho de 1914:
"A verdade é que, enquanto anteriormente o governo alemão tinha intenções
agressivas... agora eles estão realmente alarmados com os preparativos
militares na Rússia, o aumento potencial em suas forças militares e,
particularmente com a construção prevista, com a insistência do governo francês
e com dinheiro francês, de ferrovias estratégicas convergindo para a fronteira
alemã... A Alemanha não tinha medo, porque ela acreditava que seu exército
seria invulnerável, mas ela tinha medo de que em poucos anos, portanto, ela
poderia ter medo... A Alemanha tinha medo do futuro." O coronel House
confirma esta avaliação em uma carta que escreveu para Wilson antes do
assassinato do arquiduque Franz Ferdinand: "Quando a Inglaterra consentir,
França e Rússia vão fechar-se sobre a Alemanha e a Áustria."
D) A Agonia de Verão do Papa e da Europa Cristã
Em uma audiência de despedida em 30 de maio de 1914, Dr.
Chaves, o embaixador brasileiro, que havia sido chamado para casa por seu
governo, indicou ao Papa São Pio X que ele não tinha dúvidas a respeito dos
eventos mundiais. No decorrer da conversa, no entanto, o Papa perguntou:
- "Você está
feliz, Embaixador por poder voltar para o Brasil? Você não vai ser uma
testemunha da guerra."
- "A sua Santidade fala sobre o conflito dos
Bálcãs?"
- "Não, não,
o problema dos Bálcãs é apenas o começo de uma conflagração mundial que não
posso evitar."
Nós vimos essa estranha visão profética antes em Pio X
nos meses antes da eclosão da Grande Guerra, o que não vimos até o momento é
essa compreensão que ele, como Sumo Pontífice era impotente, no cenário
geopolítico, para deter o conflito por quaisquer tipo de meios naturais.
"Nos tempos antigos, o Papa com uma palavra podia parar a matança, mas
agora eu sou impotente."
As palavras do Papa São Pio X foram as mesmas para um
consistório privado em 25 de maio de 1914, quando ele disse aos cardeais
reunidos: "Mais do que nunca o mundo suspira pela liberdade. E ainda vemos
como nação se levanta contra nação, raça contra raça, e nós sabemos como o ódio
se transforma em guerra terrível." Além disso, dias antes, o Papa disse:
"A tragédia que está chegando é uma que eu sou impotente para ajudar os
homens a escapar e que eu não serei capaz de parar. Tenho o maior ministério de
paz, e se eu não puder proteger a segurança de tantas vidas jovens, quem pode -
quem irá?". Neste consistório no qual foi concedido ao seu sucessor
Giacomo della Chiesa (Papa Bento XV) o chapéu vermelho, o Papa se mostrou
pessimista sobre as chances dos homens de boa vontade para evitar a catástrofe
por vir: "a menos que ao mesmo tempo seja feita uma tentativa para
estabelecer nos corações dos homens as leis da paz e da caridade. A paz ou o
conflito na sociedade civil e no Estado dependem menos daqueles que governam do
que das próprias pessoas." Este pessimismo em relação à sua capacidade de
influenciar os problemas em cascata inundando a Europa não deve ser tomado como
um fracasso em apreciar o papel do Soberano Pontífice no mundo dos assuntos
humanos. Na verdade, quando olhamos para as declarações do Papa no início do
seu pontificado sobre o papel do papa em assuntos políticos e sociais, podemos
compreender mais perfeitamente a sua profunda decepção por ser incapaz de
afetar a situação europeia em qualquer forma. No primeiro consistório de seu
pontificado, em 09 de novembro de 1903, o Papa São Pio X enfatizou o papel do
papa como o supremo mestre da Lei Moral e seu direito e dever de desempenhar um
papel integrante na política do mundo. Aqui, ele afirmou que: "Nosso
programa é renovar tudo em Cristo, Cristo é a verdade, e nós tornaremos o nosso
primeiro dever pregar a verdade e explicar em linguagem simples que pode
penetrar as almas de todos e imprimir-se sobre sua vidas e conduta... Estamos
convencidos de que muitos irão se ressentir de nossa intenção de tomar parte
ativa na política mundial, mas qualquer observador imparcial vai perceber que o
Papa, a quem o cargo supremo de professor foi confiado por Deus, não pode ficar
indiferente a assuntos políticos ou separá-los das preocupações de Fé e Moral.
E como chefe e líder da Igreja, uma sociedade de seres humanos, o Papa deve,
naturalmente, entrar em contato com os governadores da terra daqueles seres
humanos... Um dos principais deveres do ofício apostólico é refutar e condenar
as doutrinas errôneas e opor-se as leis civis em conflito com a lei de Deus e,
assim, preservar a humanidade de trazer sua própria destruição.
Simultaneamente aos seus esforços diplomáticos para
evitar a guerra, o Papa Pio começou a organizar um Congresso Eucarístico, para
acontecer em Lourdes de 22 a 26 de julho de 1914. O Papa claramente acreditava
que a única solução era que os fiéis, em oração, se valessem da misericórdia do
Amor Divino e da solicitude maternal de Nossa Senhora. "Devemos orar.
Somente o Céu pode ajudar --- Deus e a Virgem Santa." De um nível
puramente natural, é de cortar o coração ver a confiança como a de uma criança
que o Papa colocou em Nosso Senhor e de Sua Mãe Santíssima, especialmente
quando vemos as suas declarações esperançosas, retrospectivamente, a partir da
perspectiva da catástrofe da Grande Guerra. De fato, sua declaração gravada:
"Devemos orar. O mundo inteiro deve orar... o Senhor e Sua Mãe podem
evitar a provação, eu quero um Congresso Eucarístico que será realizado em
Lourdes. Talvez " só pode ser realmente apreciada sem piedade piegas, se
considerarmos essa esperança através dos olhos da fé e com aparição de Nossa
Senhora de Fátima em mente. Atrevo-me a dizer que a aparição de Nossa Senhora,
sua mensagem e os milagres em Fátima são uma resposta direta ao pedido de
oração do Papa.
O Congresso Eucarístico em si foi um grande evento, que reuniu povos de todo o mundo, todos unidos em espírito e oração. Houve palestras, conferências, e cerimônias litúrgicas. A cada noite, havia grandes fogueiras. Tudo terminou com o canto de um grande hino eucarístico de louvor escrito por São Tomás de Aquino, o Tantum Ergo. Dentro de dias, as armas de guerra foram ouvidas sobre as fronteiras. Deus iria responder as orações dos fiéis, mas no Seu tempo e à Sua maneira.
Em um dos últimos dias de julho daquele ano fatídico, o
Cardeal di Belmonte, Delegado Pontifício para o Congresso, voltou a Roma e
disse ao Santo Padre que, apesar da crescente onda de ódios nacionais, não
havia dúvida de que o Papa era muito amado em toda a terra: cada vez que o nome
de Pio era mencionado grande entusiasmo havia sido mostrado pelas multidões
reunidas em Lourdes. O Papa havia provado a si mesmo ser o que os papas
deveriam ser devido ao seu ofício sagrado e exaltado: Pai de toda a Cristandade
- uma cristandade que em breve perderia sua reivindicação de uma presença
visível no mundo dos homens.
E) A Paixão de Agosto
Em 29 de julho de 1914, apenas três dias após o término
do Congresso Eucarístico e um dia depois da declaração de guerra contra a Sérvia
pela Áustria, os russos ordenaram uma mobilização parcial das suas forças
armadas. Esta era exatamente a ação que ameaçava encontrar uma reação da
Alemanha. A Alemanha estava comprometida com um plano estratégico nomeado
depois do general Von Schlieffen, em que a mobilização pela Rússia ou França
seria recebida com uma invasão imediata da França e uma declaração de guerra e,
depois, uma invasão do leste da Rússia. A fim de evitar o vício do cerco pelos
da Tríplice Entente, a Alemanha acreditava que ela primeiro deveria bater a
França para fora da guerra, antes de voltar para uma Rússia que estava
lentamente se mobilizando. Embora o imperador Nicolau II da Rússia tivesse
garantido aos alemães que essa mobilização parcial não significava guerra, os
alemães declararam que, no entanto, eles seriam forçados a se mobilizar. O
ministro Pan-eslavo das Relações Exteriores, Sazonov, e o Chefe do
Estado-Maior, Nikolai Yanuskyevich, estavam comprometidos com a plena
mobilização e, finalmente, persuadiram Nicolau II a concordar com ele em 30 de
julho. Aqui o primo de Nicolau, o imperador alemão apelou para o imperador
russo para parar a mobilização ou isso significaria guerra. Estes apelos ao
monarca russo foram em vão por conta da insistência inflexível na mobilização
pelo General Yanuskyevich. Após a guerra, Yanuskevich declarou agir como ele agiu com relação aos princípios
Pan-eslavos (a crença de que todos os povos eslavos devem ser unidos sob a
hegemonia russa), os sentimentos que ele sabia que o imperador, sendo de origem
tanto dinamarquesa quanto alemã não partilharia. Assim, nos últimos dias de
julho de 1914, Yanushkyevich resolveu "quebrar o meu telefone e,
geralmente, adotar medidas que impeçam alguém [ou seja, o Csar] de encontrar-me
com a finalidade de dar ordens contrárias que voltariam a parar a nossa
mobilização." Se a Rússia continuou a se mobilizar, os alemães insistiram
que não tinham outra opção senão fazer o mesmo. Isso significou, por conta da
ofensiva/defensiva do plano de Von Schieffen, a invasão da Bélgica e da França.
A "Guerra por calendário" entre as quatro potências continentais
começou no momento em que a Rússia decidiu pela plena mobilização. Para colocar
de uma forma simples: a I Guerra Mundial começou quando Yanushkyevitch, com a
ajuda do ministro russo da Guerra, Sukhomlinov, transformou o conflito armado
austro-sérvio em uma guerra mundial preparando, portanto, para a vinda do
comunismo e da "propagação dos erros da Rússia" em todo o mundo.
O tempo da religio depopulata estava se aproximando
rapidamente. Em 02 de agosto, o Papa dirigiu uma advertência com palavras duras
para o mundo inteiro e pediu a todos para orar. Pio estava esgotado de tristeza
e preocupação. Ele só podia arrastar-se para seu público, mas não tinha forças
para falar a multidões. "Meus filhos, meus filhos, eu sofro por todos que
morrem em campo de batalha” “Oh, essa guerra. Eu sinto que essa guerra é a
minha morte. Mas eu alegremente ofereço a minha vida pelas crianças e pela paz
no mundo.” Durante a primeira metade de agosto, Pio X abençoou grupos de
peregrinos em silêncio, mas não fez nenhum discurso público. Ele dormia menos
do que costumava. Entretanto sua saúde antes dos últimos cinco dias de sua vida
parecia muito boa e nem seus médicos nem suas irmãs que ajudaram a tomar conta
dele quando ele assumiu residência no Vaticano, estavam preocupados com a saúde
dele.
Depois de conceder sua última audiência na Festa da
Assunção, a um grupo de americanos – como ele tinha entretido na primeira
audiência de seu pontificado em 1903 – ele caiu com uma febre leve em 19 de
agosto e ficou completamente prostrado. Agora ele percebia a gravidade de sua
situação e é lembrado que ele disse: “Que a vontade de Deus seja feita. Eu acho
que é o fim. Talvez Ele em Sua bondade deseje poupar-me dos horrores que irão
abater a Europa.” Naquela tarde o Cardeal Merry del Val ao ouvir dos médicos
que o Papa estava acometido de pneumonia, ficou sem esperanças pela sua
recuperação: “Ele sofreu muito por causa da tensão dos eventos públicos para
conseguir resistir a uma doença grave”. De acordo com seu médico Dr. Machiafva,
Pio X disse: “Eu estou oferecendo minha miserável vida como holocausto para
prevenir o massacre de tantos dos meus filhos.” Então, nas primeiras horas de
20 de agosto, com os sinos tocando por Roma indicando a agonia final do Papa,
ele falou suas últimas palavras, que, de acordo com os mais recentes estudos
foram um ato de confiança. No seu próprio dialeto veneziano ele disse: “Gesu,
Giuseppe e Maria, vi dono il cuore de l’anima mia! (Jesus, José e Maria, eu
entrego a vós o coração da minha alma!). O católico, o camponês, o pontífice, e
o amante de tantas almas humanas eram um só no momento de perfeita e total
autorrendição.
Original aqui.
_________________________________Notas da tradutora:
[1] Poder Keg: no
original Keg Power. O termo origina-se de “powder keg” que é uma barreira feita
com pólvora. É usado como metáfora para questões políticas, sociais, históricas
que envolvem regiões que podem levar a explosões de violência. O termo é usado
para tratar de territórios que parecem estar calmos, mas que explodem
repentinamente. Muito utilizado para se referir a região dos Bálcãs e ao
assassinato de Franz Ferdinand (acontecido em Sarajevo, Bósnia-Herzegovina) que
deu origem a I Guerra Mundial.
[2] “chicken-hawks”: literalmente “galinhas-falcões”.
Termo que se refere a pessoas que querem a guerra sem se envolver pessoalmente
nela, sem terem feito serviço militar, sem irem para o campo de batalha. Então
o autor aqui alude aos líderes de hoje que defendem ou fazem a guerra sentados
em suas poltronas, em seus gabinetes protegidos, sem nem passarem perto de um
campo de batalha.
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