(Tradução do Blog do Angeth a partir de The Remnant)
A hipótese central subjacente a todo o pensamento econômico liberal (em contraste com pensamento econômico católico) é a ganância. Ora, economistas liberais nem sempre usam essa palavra; eles podem chamá-la “razão de lucro”, “interesse próprio” ou “maximização da riqueza”, mas todos esses termos se resumem à mesma coisa.
Os economistas liberais mais inteligentes ocultam esse
princípio declarando que ele é válido apenas no interior da “estrutura”
econômica. Uma vez que a riqueza é gerada a moralidade pode ter algo a dizer
sobre o que alguém fará com ela; mas, dentro da análise do processo de
produção, a maximização do lucro é o critério supremo para a avaliação das
escolhas econômicas: a alternativa que produz mais riqueza é a chave para a
escolha da ação humana (até mesmo se alguém reconhecer que a moralidade pode
impor demandas a um uso ulterior dessa riqueza). Todas as outras considerações
no fim retificam esse único critério.
Responsabilidade social, práticas de caridade,
preocupação com a segurança de trabalhadores e outros valores podem ser levados
em conta pelos economistas liberais, mas somente depois de obtido máximo lucro
ou a maximização da riqueza. Uma decisão de doar computadores para uma escola é
justificada pelo conselho diretor de uma empresa apenas na medida em que o
empreendimento espera receber em algum momento uma quantidade maior de riqueza
do que aquela empregada na doação por meio de publicidade ou da boa vontade do
cliente. É por isso que os participantes de um sistema controlado e
regulamentado pelo pensamento econômico liberal podem ser pessoas decentes, mas
sua filosofia impede a “intrusão” de tal moralidade nas decisões de um negócio,
no qual a geração do lucro é o maior bem a ser procurado.
Isso isenta os economistas liberais das exigências de
justiça e equidade da Lei Moral (Divina e Natural). Além disso, alguns
economistas liberais abrem exceções a algumas ofensas odiosas à Lei Natural tal
como a fraude e a violência. Não obstante, o homem está sujeito inteiramente à
Lei Divina e Natural. Nós não somos livres para escolher quais normas observar
e quais deixar fora de nosso “framework” artificial.
Ora, alguém que tenha uma noção do seja que o
catolicismo provavelmente sabe que essa filosofia é defeituosa. Para ver
exatamente por que ela é defeituosa, nós exploraremos a Doutrina da Economia
Católica.
Como ensina Santo Tomás de Aquino, fiando-se em
Aristóteles: O homem age em conformidade com os fins. Nós escolhemos ações que,
à luz de todos os fatos relevantes, parecem atingir um fim particular. Alguns
fins são incompletos; eles não aperfeiçoam todos os aspectos da natureza
humana. Alguns fins são mais completos; eles abarcam mais aspectos da natureza
humana. O último ou mais completo fim do homem é a salvação eterna; a visão
beatífica. Ao atingir esse fim a natureza do homem chega à perfeição. Abaixo desse
fim perfeito há outros fins necessários que devem ser perseguidos a fim de que
tornem alcançável o fim perfeito. O fim natural mais elevado é o viver uma vida
virtuosa numa sociedade pacífica. Abaixo desse fim natural perfeito, a criação
de uma riqueza temporal suficiente é um dos fins imperfeitos encerrados naquele
fim natural perfeito.
A fim de que possa vir a conhecer, amar e servir a Deus,
e viver bem com a sua vizinhança neste mundo de modo a atingir seu fim último –
felicidade no paraíso – o homem deve satisfazer as necessidades físicas de sua
natureza corporal. A satisfação das necessidades temporais humanas fornecidas
pela riqueza é, portanto, um dos fins em direção ao qual a natureza humana, e
consequentemente a lei natural, o dirige.
No entanto, nós não podemos perder de vista o fato de
que esse fim é apenas intermediário, imperfeito. A riqueza ou lucro não é um
fim último em si mesmo; é um meio para se alcançar outros fins e deve ser
moralmente avaliado como tal. Ele deve limitar-se, portanto, ao âmbito que se
sujeita aos fins últimos naturais e sobrenaturais do homem.
Aqui nós vemos que o erro fatal do economista liberal é
que ele faz de um fim imperfeito o critério perfeito da decisão, dentro de uma
estrutura que ele usa arbitrariamente para separar a atividade econômica do
mesmo grau de escrutínio moral que governa outra atividade humana.
O efeito disso é que a obtenção de riqueza torna-se
infinita. Quando um fim imperfeito é tratado como perfeito, então é corrompido,
e a orientação própria do homem em direção ao seu verdadeiro fim é obscurecida.
É por isso que é exigido do homem pôr limites no aumento da riqueza como um
critério de tomada de uma decisão no campo econômico, do mesmo modo que ele
deve pôr justo limite em seu apetite concupiscente.
A busca da riqueza
O desejo pela riqueza, assim como o desejo por outras coisas, não é mal em si mesmo, mas deve ser refreado. A geração da riqueza, de acordo com o pensamento econômico Católico, deve ser refreada assim como os desejos de concupiscência devem estar sujeitos à razão. Henrique de Hesse explica isso da seguinte maneira: “Quem quer que tenha o suficiente para essas coisas (para sustentar alguém, para realizar atos de piedade, para manter provisão razoável para futuras emergências, ou para manter a prole), mas ainda trabalha incessantemente para acumular riquezas ou um status social mais elevado, ou de tal modo que mais ele viva sem precisar trabalhar, ou de tal modo que seus filhos sejam ricos e poderosos – tudo isso é impulsionado por condenável avareza, prazer físico e orgulho.” [1]
Ter o suficiente para tudo isso e ainda desejar mais
excede as fronteiras da prudência. Então, refreios no desejo pela riqueza não
são excessivos, mas antes muito prudentes. Há um limite mais externo para a
ganância. São Bernardo concorda com a seguinte conclusão: “Por elas mesmas, no
que tange ao bem-estar espiritual, elas [as riquezas] não são nem boas nem más,
antes o uso delas é bom, o abuso, ruim; o desejo veemente por elas é pior; a
ganância por ganhar ainda mais é vergonhosa.” [2] O uso adequado da riqueza é
virtuoso; seu abuso – a avidez por ganhar – é um vício.
Não obstante, a filosofia da economia liberal afirma que
toda escolha que aumente a rede de riqueza é boa; o princípio não admite nenhum
limite. A razão do lucro, na filosofia do economista liberal, não pode admitir
o limite defendido pela filosofia da economia católica. O lucro é sempre bom e
mais lucro é sempre algo melhor – novamente, dentro da estrutura que os
economistas liberais usam para dispensar a economia de escrutínio moral,
enquanto declaram que fora dessa estrutura os capitalistas podem ser pessoais
morais e generosas no que tange à decisão de como eles usarão sua riqueza.
Santo Tomás usa uma imagem da natureza para demonstrar
como ser propriamente cuidadoso com os bens temporais significa manter tal
desejo em seu limite próprio – um tempo adequado. “A formiga é cuidadosa num
tempo adequado, e é isso que é proposto para o nosso exemplo. A previsão justa
do futuro pertence à prudência. Mas seria um cuidado ou previsão desordenada do
futuro se um homem se pusesse a buscar coisas temporais, às quais os termos
‘passado’ e ‘futuro’ se aplicam, como fins, ou se ele passasse a buscá-los
excedendo as necessidades da vida presente, ou se ele passasse a monopolizar o
tempo por preocupação.” [3] Nós podemos buscar lucros, mas fazê-lo em excesso é
um vício, tanto como ser irresponsável em relação a eles (monopolizar o tempo
por preocupação).
Comedimento moral VS. Interferência do
governo
Antes de prosseguir nesse argumento eu devo dar uma pausa para esclarecer que o reconhecer um comedimento moral sobre a razão do lucro não é análogo ao asseverar que o governo deve impor esse comedimento em todas as circunstâncias. A questão de qual seja o equilíbrio apropriado na lei pública da Igreja, governo local, governo nacional e refreamento pessoal dirigido por um confessor é uma questão que trata dos meios apropriados. Este é em si um tópico vasto; por séculos e à luz de diferentes circunstâncias o equilíbrio entre o foro íntimo (confissão) e os vários foros externos (cortes civis e eclesiásticas) tem permanecido e continuará.
Não obstante, proponentes do Liberalismo Econômico
frequentemente procuram pôr em desordem a questão tentando desviar do assunto
deste tópico. Eles confundem o argumento de que a moralidade requer esse
refreio com a defesa de um estado policial totalitário. Ao fazer isso, os
economistas liberais evitam ter de argumentar contra a questão real: o
princípio do lucro não pode ser o único critério de avaliação da justiça e da
moralidade das escolhas econômicas.
Ao retornar ao refreio necessário, lembre-se dos outros
fins da existência humana. Quais são esses fins? Eles não são senão os fins
naturais e sobrenaturais do homem. Então, por exemplo, viver de forma justa ou
devolver aos outros seus direitos é um fim da natureza social do homem. A
Justiça é uma das virtudes cardeais que o homem deve esforçar-se por obter de
modo a aperfeiçoar sua trajetória em direção ao fim perfeito. Portanto, é
ilícito obter lucro através do uso de meios que violam a justiça comutativa
(que inclui mais que a fraude). O pensamento econômico liberal rejeita esse
refreio. Isso para não dizer nada da lei divina à luz da qual as ações humanas
devem ser julgadas.
O economista liberal católico Tom Woods argumentou que
“a economia é a ciência cujo propósito é empregar a razão humana para descobrir
como os fins humanos podem ser alcançados. O que deveriam ser esses meios é
assunto para ser decidido pela Teologia e pela Filosofia Moral.” [4] Tudo quanto
nos leve ao fim escolhido da forma mais eficiente será a escolha econômica
correta. Não obstante, a moral católica não permite ambivalência em relação aos
meios. Mesmo que os fins de alguém sejam bons (enquanto estabelecidos pela
Teologia e pela Filosofia Moral, como diria Tom), os meios escolhidos também
devem ser moralmente justos. Deste modo, afirmar que a economia é meramente a
ciência dos “meios” é um argumento imperfeito. A escolha dos meios não é
moralmente neutra. Os meios têm implicações morais.
Um típico argumento de economista liberal é que um
salário baixo (que esteja abaixo do valor intrínseco do trabalho desempenhado
para aquele salário) é aceitável se o livre-mercado produzir tal ordenado
(devido a um grande número de trabalhadores desempregados, por exemplo). [5]
Argumenta-se que até mesmo o trabalhador que recebe um salário injusto estará
em melhor situação no final das contas porque o lucro obtido pelo empregador
aumenta a riqueza geral para a sociedade, ou para expor isso da forma favorita dos
economistas liberais, uma maré crescente levanta todos os barcos. Admitindo por
um momento que essa assertiva seja de fato verdadeira (apesar de ela ser
contra-intuitiva), [o fato é que] o pensamento econômico católico proíbe o
pagar um salário injusto como sendo um meio para esse fim. Mesmo que mais
riqueza seja gerada para a economia ou mais pessoas tenham empregos, se esse
fim é alcançado através da violação da justiça, ele não pode justificar um meio
injusto. Um trabalhador tem recebido um valor menor do que o do trabalhado
realizado. A sociedade pode ser mais próspera, mas o fim do homem chamado
justiça foi violado pelo uso de meio injusto. Conforme foi mostrado, a economia
é “livre de valores” [6] simplesmente porque ela recusa considerar os valores
morais que refreiam o uso de meios injustos.
Ora, o motivo pelo qual economistas liberais não
conseguem perceber o erro de os fins justificarem os meios é o afirmar que as
atividades econômicas são amorais – não têm implicações morais. Tom Woods, por
exemplo, afirma que “absolutamente nada no campo da lei econômica derivada da
praxeologia envolve reivindicações normativas” e “é absolutamente irracional
argumentar que... a lei econômica deveria ser subordinada à lei moral.” Tom
declara isso baseado numa compreensão da Economia como um mero estudo da ação
humana para descobrir leis ou operações naturais independentes. [7] Visto que
essas leis fazem parte da “natureza” elas não são morais ou imorais; elas
apenas existem. Ele compara as leis econômicas até mesmo com a lei da
gravidade. [8] O erro decisivo nesse raciocínio é que todas as ações humanas
envolvem escolha. As ações humanas não são como a gravidade, que é
pré-determinada e opera de forma independente. Escolhas sempre têm implicações
morais; ou elas são moralmente lícitas ou são escolhas ilícitas. Tom está
certo: a economia envolve o estudo das ações humanas. Não obstante, ao
contrário do estudo da gravidade, que existe naturalmente, todos os atos
humanos são produtos de uma escolha e têm implicações morais, assim como
refreios naturais e divinos.
Consideremos um dos exemplos favoritos de Wood de uma
“lei econômica” semelhante, para ele, à gravidade: a lei da oferta e da
procura. [9] Quando a oferta diminui ou a demanda aumenta os preços aumentam.
Ele afirma que isso pode ser observado empiricamente e, portanto, o movimento
do aumento dos preços em decorrência da queda da oferta ou do aumento da
demanda é moralmente neutro; isso acontece como resultado da força de uma “lei
econômica natural”. Essa asserção é falsa. Os preços não são forças autônomas
independentes da escolha humana. Os preços aumentam porque as pessoas escolhem
aumentá-los.
Ora, pode ser verdade que desde a aurora da Era Liberal
as pessoas passaram a aumentar os preços em tais contextos porque elas
acreditam, erroneamente, que não têm escolha alguma: “Uma vez que os preços
sempre aumentam com diminuição da oferta, eu tenho de elevar o meu preço.” Na
Cristandade, entretanto, quando as pessoas não estavam embriagadas com a
propaganda do Liberalismo Econômico, essa não era a reação usual. As causas,
natureza e duração da falta de oferta, ou do aumento da demanda, tinham de ser
consideradas diante de uma associação, ou de uma autoridade pública, ou um
padre confessor que permitiria o mercador a elevar os preços. Então, preços
podiam ser alterados, mas desde que houvesse uma razão moralmente lícita para
fazê-lo, como um aumento sustentado no custo do transporte das mercadorias.
Além disso, diferentemente da Economia Liberal tal como
defendida por Tom Woods, a Economia Católica afirma que não é moralmente
permissível o aumento dos preços em decorrência da necessidade particular de um
comprador de mercadorias e serviços. Santo Tomás ensina que é injusto da parte
de um vendedor cobrar mais porque o comprador necessita particularmente de uma
mercadoria. [10]
Para usar outro exemplo oferecido por Woods, [11] se uma
crise como os ataques terroristas a Nova York ocorresse e as pessoas fossem
destituídas de seus lares, seria justo elevar o custo de um quarto de hotel em
185% simplesmente porque mais pessoas querem quartos? Woods afirma que sim,
alegando que permitir esse tipo de extorsão é bom porque permite que o meio
pecuniário – o quarto – vá para a pessoa que mais o valorize. Na verdade, isso
faz com que o quarto fique com os mais ricos, que podem ou não ser aqueles que
dão mais valor ao quarto. Uma pessoa que possua meios modestos e que não tem
nenhum outro lugar para encontrar abrigo para sua família pode dar maior valor
ao quarto do que um milionário que apenas não quer passar uma noite com seus
parentes. A diferença é que o homem de meios moderados tem menos riqueza para
expressar o maior valor que dá ao quarto.
Tom tenta desviar do assunto nesse ponto, argumentando
que o manter os preços dos quartos em níveis normais num período de crise
provocará o desperdício de recursos limitados, com uma família utilizando dois
quartos quando ela usaria apenas um se os preços fossem mais altos. [12] Antes
de tudo, é precisamente o locatário mais rico, e não o chefe de família com
baixo salário, que provavelmente receberá mais do que é devido, locando mais
que um para o seu conforto, então o argumento falha por conta disso.
De qualquer modo, uma vez que esse efeito envolve a
escolha humana, ele não é inevitável. O proprietário do hotel pode simplesmente
determinar que numa emergência uma família com quatro membros poderá locar
apenas um quarto de modo que outros que necessitem possam ocupar o segundo
quarto. Não há necessidade de elevar o preço em 185% para alcançar o
racionamento justo de recursos escassos. Não obstante, uma vez que Tom começou
com a falsa premissa moral de que preços e outras decisões econômicas são
independentes de uma escolha humana moral, ele argumenta falsamente que as
escolhas econômicas deveriam cair onde elas puderem, assim como uma bola jogada
só pode cair no chão devido à lei da gravidade.
Então, no final o obscurecimento da escolha humana moral
envolvida em todas as atividades econômicas torna-se uma fachada através da
qual a riqueza pode ser buscada sem quaisquer limites morais.
Conclusão
A Economia não é uma disciplina que lida com forças invariáveis independentes tal como a física. Ela é o estudo das ações humanas relativas aos meios para se criar bens temporais. Toda ação humana e todos os meios usados para alcançar fins devem ser orientados para, e limitados pelos, fins últimos do homem.
Essa simples verdade tem sido atacada por séculos pelos
economistas liberais. É o momento de darmos à Verdade de Cristo, à lei moral
natural, o seu lugar apropriado na economia. O único desejo do homem que pode
ser moralmente ilimitado é o desejo por Deus. O desejo pela riqueza deve estar
sujeito a limites justos, com Deus e Sua lei à vista a todo momento.
Notas:
[1] Henry of Hesse, De contractibus, em John Gerson,
Opera omnia, 4 vols. (Cologne, 1483–4), 4, cap. 12, fol. 191ra.
[2] São Bernardo de Clairvaux, De consideratione, trans.
George Lewis (Oxford, 1908), bk.
2, ch. 6, p. 47.
[3] Aquino, Summa Theologica II-II, 55, Art. 7 Respostas
às Objeções 1 e 2.
[4] Tom Woods, The
Church and the Market (Lexington Books 2005)¸ p. 31.
[5] Veja Tom Woods,
The Church and the Market, p. 50 et. seq.
[6] Tom Woods, The
Church and the Market, p. 31.
[7] Tom Woods, The
Church and Market, p. 16.
[8] Tom Woods, The
Church and the Market, p. 43.
[9] Veja, por
exemplo, Tom Woods, The Church and the Market, Chapter 2.
[10] Summa
Theologica II-II Q. 77, Art. 1.
[11] Tom Woods, The
Church and the Market, p. 46-47.
[12] Id. p. 47.
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